Precisamos decidir se vamos “transnacionalizar” nossa cadeia produtiva ou voltar ao modelo nacional-desenvolvimentista
O mundo pós-moderno quase não tem lugar para as chamadas “meta narrativas”. Surgiu com a queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética, embora os primeiros sinais de colapso e de fragmentação das ideias totalizantes (não confundir necessariamente com totalitaristas), tenham surgido há 50 anos, a partir das manifestações de maio de 1968 na França, que se espalharam pelo mundo e eclodiram também no Brasil, até um pouco antes, como destacou Zuenir Ventura, o autor de O ano que terminou (Saraiva), em sua entrevista recente na Folha de São Paulo.
As análises sobre os fenômenos deram lugar às narrativas políticas. Para não falar nas fake news, as notícias mentirosas que “viralizam” nas redes sociais e podem decidir o destino do mundo, como aconteceu nas eleições americanas. As chamadas “condições objetivas” favoreceram a eleição de Donald Trump, para usar um fragmento de análise totalizante, mas já está cada vez mais claro para o mundo que o presidente do EUA recebeu um empurrãozinho com mão de gato de seu colega da Rússia, Vladimir Putin, por meio de jovens hacker da Macedônia. O que será que vai acontecer aqui no Brasil nas eleições de 2018?
Devemos ao sociólogo polonês Zygmunt Bauman, um dos teóricos do pós-moderno, uma abordagem “totalizante” desse mundo fragmentado: vivemos numa sociedade líquida, cuja realidade é ambígua, multiforme, na qual tudo o que é sólido se desmancha no ar, como na profética frase de Karl Marx no Manifesto Comunista de 1848 (a propósito, entrou no circuito o filme sobre a juventude do autor d’O Capital). Vejamos seu cortejo de individualismo, consumismo, hedonismo e mudanças tecnológicas inimagináveis, no qual ideias conservadoras, velhas e retrógradas, emergem como uma espécie de Contrarreforma, para varrer de vez a Razão iluminista. Não é um problema só do Brasil, é um fenômeno mundial. Mas que será de nós na próxima campanha eleitoral?
Antes de mais nada, precisamos decidir se vamos “transnacionalizar” nossa cadeia produtiva ou dar marcha à ré, voltar ao velho capitalismo de estado e ao modelo nacional-desenvolvimentista. Estamos entre dois polos econômicos que disputam o controle do comércio mundial às nossas costas; sim, porque o eixo da economia mundial se deslocou do Atlântico para o Pacífico. Se nada acontecer nos Estados Unidos ou na China, o cenário estará aberto para o Brasil se recuperar economicamente e avançar, não importa o que venha a acontecer com a Europa. A África não conta, porque já está mesmo ferrada; e só o colapso do equilíbrio armado do Oriente Médio, onde impera ao “grande jogo” das potências na Eurásia, faria diferença. Ou uma loucura nuclear até bem pouco tempo impensável na península coreana.
Incertezas
Entretanto, se os juros nos EUA forem puxados para cima ou o expansionismo comercial da China der errado, o sinal verde pode fechar. A nossa vulnerabilidade externa ficaria desnuda e pintada de vermelho. E aí nossas incertezas serão maiores. Não nos iludamos com os fogos do ano-novo: os pensamentos imperfeitos estão pautando a sociedade e certamente nos levarão a grandes emoções. É claro que temos muitas razões para ser otimistas, num cenário externo favorável, porque a economia entrou nos trilhos. Mas é bom não confundir nossa maria-fumaça com um trem-bala. Há dois cenários econômicos possíveis com o ambiente externo estável: um é o devagar e sempre da recuperação econômica gradativa, com inflação baixa, juros reduzidos e um pouco de investimentos externos, sem reforma da Previdência. O outro, menos provável, porém, mais favorável, é a manutenção da mesma política econômica se a reforma da Previdência for feita e déficit público reduzido. Zero juízo de valor sobre essa mudança em si na vida dos aposentados; estamos falando de contas públicas e da reação do mercado.
Esse tipo de incerteza econômica fica entre o bom e o ótimo, respectivamente; porém, não é o caso da política. Nesse campo, o cenário atual está entre o ruim e o pior; o regular é apenas uma possibilidade. O bom e o ótimo, por enquanto, não existem. A polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) é uma espécie de unidade dos contrários, para usar a velha dialética. São dois projetos nacionalistas, que se excluem politicamente, mas são solidários eleitoralmente, porque se retroalimentam. O moderno na sociedade, mesmo o “americanismo” emergente na política em rede, está sendo engolido pela retórica populista e/ou reacionária, e fragmentado por ausência de um polo aglutinador que consiga se impor às narrativas pós-modernas como um projeto novo, robusto, exequível. As narrativas pós-modernas, por enquanto, mais desagregam do que contribuem para reposicionar o Brasil no mundo.
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