O caminho da Igreja de Roma depois de Francisco

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Os principais apoiadores de Francisco, progressistas e reformistas, querem um novo ‘aggiornamento’ da Igreja, com reformas pastorais e mais diálogo com o mundo moderno. Pode ser que o novo papa saia dessa corrente

Aos 88 anos, morreu papa Francisco, o argentino Jorge Mario Bergoglio, depois de longa enfermidade. Não foi de bronquite nem da pneumonia dupla que o mantiveram hospitalizado, mas de insuficiência cardíaca e acidente vascular cerebral (AVC). Sua morte não chegou a ser inesperada, devido à saúde frágil, mas surpreendeu, porque, no domingo de Páscoa, compareceu à bênção Urbi et Orbi, realizada na Praça de São Pedro, sendo aclamado pelos fiéis.

Contra as recomendações médicas, no domingo, o pontífice recebeu o vice-presidente dos Estados Unidos, J.D. Vance, durante um breve encontro. O primeiro-ministro croata, Andrej Plenkovic, e sua família também se reuniram com Francisco.

Como sempre acontece, nos bastidores do Vaticano iniciam-se as articulações para sua sucessão, com a chegada dos cardeais que participarão do funeral. A eleição deve ocorrer no prazo de 15 a 20 dias após sua morte.

O filme O Conclave, de Edward Berger — agraciado com o Oscar de melhor roteiro adaptado de 2025 pela Academia de Hollywood, baseado no livro homônimo de Robert Harris —, é uma obra de ficção. Entretanto, descreve o rito da sucessão papal. Os cardeais se hospedam no Domus Sanctae Marthae, onde dormem e se alimentam, e discutem o futuro da igreja.

Confinados, escolhem o novo papa na Capela Sistina, sob o magistral afresco Juízo Final, de Michelangelo, que descreve a volta à terra de Jesus. Os votos são anônimos, lidos e queimados, até que um cardeal seja escolhido, em sucessivas votações, por uma maioria de dois terços dos cardeais com a direito a voto. O povo acompanha a votação da Praça São Pedro. Uma fumaça branca representa o Habemus Papam.

Leia também: Morre papa Francisco: do luto ao conclave, o que acontece agora

A trama do filme é pura ficção, porém a disputa entre as correntes da igreja existe, sim. Dos oito cardeais brasileiros, sete participarão do conclave: Sérgio da Rocha, Primaz do Brasil e arcebispo de Salvador, de 65 anos; Jaime Spengler, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e arcebispo de Porto Alegre, 64; Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, 75; Orani Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro, 74; Paulo Cezar Costa, arcebispo de Brasília, 57; João Braz de Aviz, arcebispo emérito de Brasília, 77; e Leonardo Ulrich Steiner, arcebispo de Manaus, 74. Raymundo Damasceno, arcebispo emérito de Aparecida, que tem 87 anos, não poderá votar.

O comunicado oficial do Vaticano sobre a morte do papa resumiu seu legado: “Ele nos ensinou a viver os valores do Evangelho com fidelidade, coragem e amor universal. De modo especial, a favor dos mais pobres e marginalizados”. Francisco mudoo estilo e ênfase da Igreja Católica da alta teologia de Bento XVI à proximidade de pároco com povo, o “cheiro das ovelhas”.

Correntes políticas

O fato de ser argentino e a convivência com o peronismo fez de Francisco um ponto fora da curva. Nomeou cerca de 70% dos cardeais que participarão do conclave, a maioria de fora da Europa, um deles da Mongólia, “pastoreio” de apenas 1,3 mil católicos, segundo um crítico maledicente. Não será surpresa se o novo papa não for europeu.

Primeiro papa jesuíta da história, Bergoglio fez um apostolado de inclinação franciscana. Ser o primeiro Francisco teve um duplo significado: o pastoral, a piedade simples e próxima, com os pobres e esquecidos, e o político, a ênfase na paz, nos direitos humanos e na ecologia. Não mudou os dogmas da Igreja.

Entretanto, com a palavra-chave “acolhimento”, pautou o debate sobre o papel das mulheres, a homossexualidade, os divorciados, o diálogo com outras religiões, o que lhe valeu a oposição dos conservadores.

Leia ainda: 7 frases do papa Francisco que ajudam a explicar sua vida e papado

No Vaticano, sede da Igreja Católica, coexistem diversas correntes teológicas e espirituais (tomistas, agostinianos, jesuítas, franciscanos, carmelitas) ao lado de ordens e congregações religiosas (Companhia de Jesus, Ordem de São Francisco, Dominicanos, Beneditinos) e grupos como Opus Dei e Comunhão e Libertação. Entretanto, o que divide a igreja são suas correntes político-eclesiais. São elas que vão decidir o futuro da Igreja Católica romana.

Conservadores e tradicionalistas defendem a velha liturgia, a moral sexual rígida e são contra qualquer reforma. São liderados por cardeais escanteados de seus cargos no Vaticano: Robert Sarah (Guiné), Marc Ouellet (Canadá), Raymond Burke (Estados Unidos), Gerhard Müller (Alemanha). Carlo Maria Viganò (Itália) foi excomungado por Francisco.

Moderados ou institucionalistas buscam o equilíbrio com atualizações pastorais sem afrontar as tradições. O cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado; Oswald Gracias, arcebispo de Mumbai (Índia); o espanhol Fernando Vérgez Alzaga, governador do Vaticano; e o irlandês radicado nos EUA Kevin Farrel, prefeito do Dicastério para os Leigos, lideram essa corrente e controlam a burocracia do Vaticano.

Os principais apoiadores de Francisco, progressistas e reformistas, querem um novo aggiornamento da Igreja, com reformas pastorais e mais diálogo com o mundo moderno. Pode ser que o novo papa saia dessa corrente, liderada pelos cardeais Luis Antonio Tagle (Filipinas), prefeito adjunto do Dicastério para Evangelização; Matteo Zuppi (Itália), arcebispo de Bolonha; Jean-Claude Hollerich (Luxemburgo), relator do Sínodo da Sinodalidade e teólogo jesuíta; Robert McElroy (EUA), bispo de San Diego; e o brasileiro Leonardo Steiner, arcebispo de Manaus.

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Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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