O que mais impressiona na nota da Presidência da República sobre as manifestações de hoje é autismo. Trata as maiores manifestações já feitas contra um governo (diga-se de passagem, a quarta de caráter nacional desde a reeleição) como um protesto qualquer:
“O caráter pacífico das manifestações ocorridas neste domingo demonstra a maturidade de um país que sabe conviver com opiniões divergentes e sabe garantir o respeito às suas leis e às instituições.”
Mais uma vez nenhuma autocrítica, nenhuma resposta às demandas da sociedade. Nenhum esforço para compreender o que está acontecendo, muito menos buscar alternativas de saída negociada para a crise.
É um governo atarantado, com uma presidente da República sitiada. Dilma Rousseff não lidera o país, sequer as forças que ainda a apoiam. Depois de se reunir com nove ministros para avaliar a situação, além da nota, decidiu fazer um corpo a corpo com deputados e senadores da base no Congresso para tentar barrar o impeachment. É patético.
Ninguém governa contra a opinião pública, exceto nas ditaduras. A retórica dos dirigentes do PT, que os seus militantes reproduzem, ao caracterizar os protestos como um movimento golpista de direita, deixou de ser um discurso político para unir as forças de esquerda. É apenas um auto-engano.
A lógica do “nós contra eles”, do “pobres contra ricos” e da “esquerda versus direita” ignora a realidade dos fatos: há um cenário de saturação da insatisfação popular, que se aprofunda com a crise econômica e o envolvimento dos políticos, a maioria governista, na Operação Lava-Jato.
O discurso do PT contra os “coxinhas”, como os petistas chamam a oposição das redes sociais, perdeu eficácia. Enquanto isso, os protestos de rua da classe média indignada se irradiam para a toda a sociedade. A reação dos políticos, que estão sendo tragados pela crise, será a busca de uma solução “pelo alto”, do tipo vamos tirar a Dilma antes que o povo o faça (ou os militares, como gostariam a estridente extrema-direita ligada ao deputado Bolsonaro).
O transformismo petista dará lugar a um novo pacto das forças políticas moderadas, no qual a velha dialética da conciliação e reforma ditará a transição política até às eleições de 2018. E serão os aliados do governo, no Congresso e no Judiciário, e não a oposição, as forças decisivas caso Dilma seja afastada do poder. Golpe? Não, se ocorrer, isso será feito por meios constitucionais.