O ano que terminou mais cedo, felizmente

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Como revelou o vice-presidente Geraldo Alckmin, ao concluir os trabalhos da equipe de transição, o legado de Bolsonaro na Presidência é uma tragédia federal

Felizmente, 2022 terminou mais cedo, no dia 30 de outubro, quando Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito à Presidência da República pela terceira vez. Nesta véspera de ano novo e antevéspera da posse do novo presidente, porém, é impossível fazer uma coluna poética, projetando o futuro, com base num balanço do governo que se encerra. Na verdade, estamos encerrando um ciclo de quatro anos de negacionismo, intolerância, desatinos, marcado por uma pandemia causada por um novo coronavírus, terrível, que ceifou 693.734 vidas e atingiu 35,3 milhões de pessoas.

Ontem, o presidente Jair Bolsonaro, protagonista deste ciclo de trevas, finalmente falou sobre o frustrado atentado terrorista de sábado passado, em Brasília, quando um homem plantou um explosivo em um caminhão de combustível nas proximidades do Aeroporto de Brasília. Numa live, fez um balanço de seu mandato, que acaba hoje. Queixou-se de que atitudes de violência política no país são sempre atribuídas a “bolsonaristas”.

George Washington, o homem preso pela bomba, relatou à polícia que participou de atos antidemocráticos realizados por apoiadores do presidente e que sua intenção era provocar no “caos”, por motivação política. Bolsonaro minimizou: “A bomba não chegou a explodir. Hoje em dia, se alguém comete, um erro é bolsonarista. Nada justifica, aqui em Brasília, essa tentativa de ato terrorista na região do aeroporto”, disse.

Os últimos dias foram tensos em Brasília, por causa do radicalismo dos bolsonaristas, inconformados com a eleição de Lula, e de uma onda de suspeitas de bombas em vários pontos da capital. Quinmta-feira à tarde, por exemplo, por causa de uma ameaça de bomba, foi interditada uma quadra comercial inteira do Sudoeste.

O bairro de classe média do Plano Piloto fica nas proximidades do acampamento de bolsonaristas instalados à porta do Quartel General do Exército, e ao lado da quadra residencial dos generais, que agora viraram alvo dos ataques verbais dos partidários do presidente da República, por se recusarem a dar um golpe de estado. Nos bastidores, Lula concluía as negociações com os partidos de centro, MDB, União Brasil e PDS, para dar ao seu governo um caráter de centro esquerda, amplo e democrático.

O governo de Bolsonaro teve três características, nestes quatro anos, todas de natureza autoritária. Primeiro, formou um governo bonapartista, com hegemonia dos militares e critérios corporativistas de composição política, em contradição com a ordem democrática.

Depois, com a perda de popularidade por causa da pandemia de Covid 19, provocada pelo seu próprio corporativismo, e a volta da inflação, resolveu entregar o governo ao Centrão, garantindo uma ampla base no Congresso, ao mesmo tempo que escalava seus ataques contra o Supremo Tribunal federal (STF). Sentira-se ameaçado pela CPI da Saúde no Senado e pelo inquérito das “rachadinhas” da Assembleia Legislativa, além do envolvimento de policiais militares do seu círculo de amigos com a morte da vereadora Marielle Franco (PSOL).

Finalmente, com a proximidade da eleição, ao mesmo tempo em que defendia um projeto iliberal para o segundo mandato, recorria a medidas populistas para tentar ganhar a eleição, entre as quais a desoneração dos combustíveis e os empréstimos consignados da Caixa Econômica Federal para os beneficiados pelo Auxílio Brasil (Bolsa Família). Neste período, escalou a crise com o Supremo Tribunal Federal (STF) e não escondia a intenção de aumentar e alterar a composição da Corte, caso fosse reeleito, para submetê-la aos seus propósitos autoritários.

Ano-novo

Como disse o vice-presidente Geraldo Alckmin, ao concluir os trabalhos da equipe de transição, o legado de Bolsonaro na Presidência é uma tragédia federal. Houve um festival de não-conformidades na Esplanada, as políticas públicas nas áreas sociais, principalmente na Saúde e na Educação, foram descontinuadas; a política ambiental passou a ser desmatar e queimar as florestas, estimular o garimpo ilegal, a grilagem de terras públicas e a expansão da fronteira agrícola na marra, mesmo em áreas de preservação e reservas indígenas.

Os gastos exagerados de Bolsonaro com viagens, muitas para participar de motociatas, foram mantidos em sigilo de 100 anos, assim como todos os assuntos que poderiam comprometer a imagem do governo na opinião pública ou gerar processos judiciais por improbidade administrativa. Bolsonaro deixa um grande déficit social e uma bomba fiscal para seu sucessor, de efeito retardado. Só não explodiu ainda porque a PEC da Transição abriu espaço para evitar o colapso administrativo nestes dois meses e a promessa de adoção de uma nova âncora fiscal, que tranquilize o mercado.

Bolsonaro deixou o cargo antes de concluir o mandato e elogiou os militantes que estão acampados à porta dos quartéis, que pedem intervenção militar e reversão do resultado das eleições. Para o presidente que deixou o Palácio do Planalto pela porta dos fundos, para não passar a faixa para o presidente Lula, as manifestações são espontâneas: “Eu não participei desse movimento. Eu me recolhi”, afirmou Bolsonaro.

Mentira, os movimentos foram financiados por aliados e estimulados pelo presidente da República, todos sabem disso. Ao longo da transmissão, embargou a voz algumas vezes, uma das quais quando citou a primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Suas tentativas de impedir a posse do Lula, inclusive ao pedir a anulação das eleições, fracassaram. Mas Bolsonaro mantém sua milícia política, armada até os dentes, seu maior legado. Fico por aqui.

Diria Carlos Drummond de Andrade: “Para ganhar um Ano Novo/ que mereça este nome, / você, meu caro, tem de merecê-lo, / tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, /mas tente, experimente, consciente. /É dentro de você que o Ano Novo/ cochila e espera desde sempre.”

Feliz ano-novo!