Ninguém conhece o Novo Marco Legal de Combate ao Crime Organizado

compartilhe

O conceito legal de “facção criminosa” foi alterado diversas vezes, com termos vagos como “organização criminosa ultraviolenta”. O objetivo de Derrite era unir direita e centro

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), confirmou a votação do chamado Novo Marco Legal de Combate ao Crime Organizado hoje. “Segurança pública exige firmeza, mas também garantias e eficiência institucional. Por isso, inseri na pauta de amanhã e a Câmara dos Deputados vai votar o Marco Legal de Combate ao Crime Organizado. É a resposta mais dura da história do Parlamento no enfrentamento do crime organizado”, anunciou na manhã de ontem.

Motta reforçou que o texto “aumenta as penas para integrantes de facções e dificulta o retorno às ruas, também cria e integra os Bancos Nacional e Estaduais de Dados sobre as Organizações Criminosas”. A firmeza do presidente da Câmara contrasta com o conteúdo nebuloso da proposta: ninguém sabe ainda qual versão será votada. O relator Guilherme Derrite (PP-SP), licenciado da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e politicamente alinhado ao governador Tarcísio de Freitas, apresentou quatro versões diferentes — todas polêmicas, todas recusadas, ora pelo governo, ora pela oposição, ora por ambos.

Leia também: Mesmo sem consenso, Motta banca votação do PL Antifacção

Ao escolher Derrite como relator, Motta sinalizou sintonia com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), seu correligionário. E alargou a distância em relação ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que havia mandado dois projetos para a Câmara voltados para o combate a organizações criminosas: A PEC do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), que estabelece a integração da atuação de inteligência de todo o sistema sob coordenação da União, e a Lei Antifacções, que endurece as penas contra os chefões do narcotráfico.

Outra proposta estapafúrdia retirava a autonomia da Polícia Federal. Em uma das versões, Derrite condicionava a atuação da PF em casos classificados como terrorismo ao aval de governadores. Isso gerou reação imediata de juristas, da PF e do Ministério da Justiça. O ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública Raul Jungmann classificou a proposta como um contrassenso absoluto: “O governador dizer se a PF pode ou não pode entrar é um absurdo completo”. O item caiu depois de forte desgaste público.

Derrite também tentou direcionar bens apreendidos pela PF para fundos estaduais, o que retiraria até R$ 360 milhões da União. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski protestou, governadores pressionaram e a PF reagiu, com apoio da Receita Federal e do Ministério Público. Na nova versão, destinou os bens apreendidos nas operações policiais ao Funapol (Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-Fim da Polícia Federal). Mesmo assim, o governo quer que sejam destinados ao Funad (Fundo Nacional Antidrogas), de maior alcance.

Narcoterrorismo

O conceito legal de “facção criminosa” foi alterado diversas vezes, com termos vagos como “organização criminosa ultraviolenta”. O objetivo de Derrite era unir direita e centro, mas o efeito foi o oposto: criou insegurança jurídica e levantou questionamentos técnicos sobre subjetividade e risco de interpretações expansivas por parte dos governadores de oposição. Alguns trechos endureciam penas a ponto de serem considerados contraproducentes, pois poderiam levar a novas batalhas judiciais. Após críticas de secretários estaduais de Segurança, o relator alterou novamente a dosimetria.

Esse vai-e-vem impediu que até parlamentares da própria Comissão de Segurança da Câmara saibam o que será votado hoje. Entretanto, ao reservar a sessão exclusivamente à votação do Marco, Motta sinaliza que já tem maioria para aprovar alguma versão do texto, que deve ser levada ao colégio de líderes antes de sessão. Enquanto isso, a discussão mais profunda sobre a segurança pública fica em segundo plano.

Leia ainda: Líder do PL insistirá em proposta sobre terrorismo no PL Antifacção

Raul Jungmann oferece a avaliação mais consistente. Ele rejeita com veemência a ideia de equiparar crime organizado a terrorismo: “Quando aquela facção está praticando esses delitos, não está pensando em derrubar o governo. […] Não tem nada a ver com a política, absolutamente nada”, declarou em entrevista publicada domingo no Correio Braziliense. “São claramente interesses eleitorais […] de governadores à direita que querem apresentar-se como tendo feito a defesa da população”, avalia.

O ex-ministro considera essenciais três iniciativas do governo: a PEC 18, que cria coordenação federal formal do SUSP; o PL Antifacções original, antes de ser descaracterizado pelo conceito por pressões políticas; e a Operação Carbono Oculto, que mostrou a eficácia da integração entre a PF, a polícia paulista e o Ministério Público. Jungmann destaca o problema estrutural: “O crime se nacionalizou e se internacionalizou, enquanto a segurança pública segue pulverizada entre estados sem coordenação federal. O sistema prisional transforma pequenos criminosos em soldados de facções. A União, por falta de atribuições constitucionais claras, não consegue liderar uma política integrada.”

Nas entrelinhas: todas as colunas no Blog do Azedo

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

Posts recentes

Master, ameaça sistêmica à superestrutura financeira e jurídica do país

Ao entrar no coração de uma crise bancária ainda em investigação, o STF corre o…

2 dias atrás

Lula ganha de Motta presente de Natal de R$ 20 bi em aumento de receita

No fundo, a reaproximação é um pacto de sobrevivência para 2026. Motta precisa operar a…

3 dias atrás

De olho nas emendas parlamentares, Flávio Dino vira “caçador de jabutis”

Dino suspendeu os efeitos do dispositivo legal que exumava as emendas secretas. O dispositivo previa…

4 dias atrás

Orçamento sob medida para as eleições: R$ 61 bi em emendas parlamentares

Na prática, o que se vê é a substituição do planejamento público por uma lógica…

7 dias atrás

Supostos negócios de Lulinha com Careca do INSS são dor de cabeça para Lula

Estava tudo sob controle na CPMI, até aparecerem indícios de que Antônio Carlos Camilo Antunes,…

1 semana atrás