Negacionismo de Trump faz mal à saúde e prejudica clima

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Conservadorismo de Musk não tem contradição com reacionarismo de Trump, mas é paradoxal o apoio ao negacionismo do presidente

O “meme” é mais antigo do que a internet. Surgiu de uma correlação entre a bagagem genética e a bagagem cultural, como um termo criado pelo neodarwiniano britânico Richard Dawkins, na década de 1970, em seu livro O Gene Egoísta (Companhia das Letras). Para ele, a evolução humana não depende apenas de nossa bagagem genética (nossos genes), mas, também, de uma bagagem cultural, uma memória comportamental, que ele batizou como “meme”, palavra derivada de “mimeme” (imitação, no grego).

Um meme poderia ser qualquer ideia, comportamento ou tendência que tem a capacidade de passar de pessoa para pessoa por meio da imitação ou da nossa herança cultural. Com o passar dos anos, o termo ganhou outros significados, tendo se popularizado na internet como qualquer imagem, vídeo, bordão, hashtag ou áudio que sofre modificações e “viraliza” (mais uma comparação com a biologia), prática que mudou de escala com a inteligência artificial (IA).

Segundo Dawkins, “o ‘meme’ é o equivalente cultural de um gene. Então, qualquer coisa que passa do cérebro para o cérebro, como um sotaque, ou uma palavra básica, ou uma melodia. É tudo o que se espalha-se pela população de uma forma cultural, como uma epidemia. Então, uma loucura em uma escola, uma moda de roupas, uma maneira particular de falar, todas essas coisas são ‘memes'”.

Por ironia, Dawkins utiliza os “memes” da internet nas suas redes sociais para combater fake news e o negacionismo. “Se você baseia a medicina na ciência, você cura as pessoas. Se basearmos o design dos aviões na ciência, eles voam… A ciência funciona”, disse certa vez, no Planetário Hayden, em Manhattan, do Museu Americano de História Natural, hoje gerenciado pelo astrofísico Neil de Grasse Tyson.

O gesto de Elon Musk que repetiu uma saudação nazista na posse de Donald Trump, mesmo que não tenha sido intencional, é um “meme”. Sua origem pode estar na ancestralidade do magnata da tecnologia: os bôeres. São os descendentes de colonos calvinistas dos Países Baixos, da Alemanha e da Dinamarca, bem como de huguenotes franceses, que se estabeleceram nos séculos XVII e XVIII na África do Sul, após serem expulsos de Angola por Salvador de Sá, à frente de uma esquadra armada por senhores de escravos do Rio de Janeiro, após os holandeses serem expulsos do Nordeste.

Leia também: Sobrevivente do Holocausto fala sobre gesto polêmico de Elon Musk

OMS e Acordo de Paris

Insulados por mais de 250 anos, os bôeres desenvolveram uma língua própria, o africâner, derivado do holandês com influências limitadas do bantu, do xhosa, do malaio e do alemão. Hoje vivem principalmente na África do Sul e na Namíbia, mas, também, no Botswana.

O Partido Nacional (em africâner: Nasionale Party, NP) foi o grande partido ultraconservador bôer, dominado por ex-simpatizantes do Eixo, que governou a África do Sul de 1948 a 1994 e promoveu o nacionalismo africâner e o apartheid. Os Musk são originários desse caldeirão étnico.

O ultraconservadorismo de Musk tem raízes históricas e culturais. Não tem contradição com reacionarismo de Donald Trump, mas é paradoxal seu apoio ao negacionismo do presidente dos Estados Unidos em relação à ciência. Musk é um homem da física e da tecnologia avançadas. O negacionismo frequentemente se baseia em desinformação, teorias da conspiração ou interesses específicos que buscam manipular o entendimento público, em contradição com as evidências históricas e científicas. Talvez a razão seja a última.

No dia da posse, Trump anunciou a saída do país da Organização Mundial da Saúde (OMS), a agência das Nações Unidas, como já havia feito em junho de 2020, em plena pandemia, indiferente à sua importância para o controle das grandes ameaças à saúde pública — por exemplo: as epidemias já conhecidas ou as que estão por vir. Os EUA colaboravam com cerca de US$ 550 milhões (cerca de R$ 3,3 bilhões) anuais para a OMS, cerca de 18% do seu orçamento.

Também pela segunda vez, Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, que junta quase todos os países do mundo. Assinado durante a COP 21, a 21ª cúpula do clima da ONU na França, o Acordo de Paris tem como principal objetivo manter o aumento da temperatura global abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais, com esforços para limitá-lo a 1,5°C.

No entanto, em 2022, a temperatura média global subiu 1,6°C, evidenciando a urgência de ações climáticas. Os EUA, a maior economia mundial, são o segundo maior emissor de gases de efeito estufa, atrás da China, que manteve suas metas de transição energética. Sua decisão enfraquece a COP 30, que se realizará em Belém, em novembro deste ano.

Leia ainda: Itamaraty em alerta com recados de Trump para América Latina e Brasil

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Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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