Quem está votando em Ciro ou Simone não está votando em Bolsonaro, tem uma preferência legítima numa eleição em dois turnos, que foi bandeira de Lula e do PT durante a votação da Constituição
Um card petista em forma de versos destila veneno nas redes sociais. A primeira frase não tem nada demais numa campanha de voto útil: “Se você votar no Lula,/ Lula vence no primeiro turno”. Logo a seguir aparece um gráfico ilustrado com a foto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e uma barra vermelha, representando 52% dos votos. Ao lado, uma barra amarela, com as fotos, lado a lado, de Simone Tebet (MDB), Ciro Gomes (PDT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL), que corresponderiam a 48% dos votos. Essa é a meta da campanha de voto útil iniciada, nesta semana, pelo próprio Lula, com apoio de artistas e formadores de opinião engajados na sua campanha, para vencer no primeiro turno.
A colagem das fotos já é mal-intencionada, mas o veneno mesmo vem logo a seguir: “Mas se votar em Ciro ou em Simone Tebet, quem vai para o segundo turno é ele”, diz o texto, seguido da imagem de uma mão com o indicador apontando para Bolsonaro, com cara de buldogue e faixa presidencial. Como assim? Quem está votando em Ciro ou em Simone não está votando em Bolsonaro, tem uma preferência legítima numa eleição em dois turnos, que foi bandeira de Lula e do PT durante a votação da Constituição de 1988. Porque isso garantiria a possibilidade, como ocorreu, de que o partido de base operária surgido no ABC paulista se tornasse uma alternativa de poder.
O card é munição de baixo custo e alto impacto da campanha de Lula nas redes sociais, nas quais um vídeo do petista orienta seus apoiadores a intensificar a campanha, com aquele estilo inconfundível de líder sindical acostumado a agitar assembleia de trabalhadores com palavras de ordens e tiradas irônicas. “Quem gosta muito de telefone celular, quem fica agarrado o dia inteiro no celular, quem fica usando ‘zap’, fazendo tuíte, quem fica no Tik Tok, no Toc Toc, quem fica… sabe… é utilizar essa ferramenta para a gente conversar com as pessoas indecisas neste país, e pra gente mostrar a responsabilidade de mudar este país.”
Trecho de um discurso de palanque, o vídeo não é dos mais sedutores, mas funciona. A ordem é reproduzir cards, depoimentos, vídeos, tudo que possa de alguma forma esvaziar as candidaturas de Ciro e Simone. O problema é que o cidadão comum não vai votar levado pelo nariz por nenhum candidato. Não adianta terceirizar a responsabilidade. Não são as candidaturas de Ciro e Simone que vão inviabilizar uma vitória de Lula no primeiro turno.
Se o raciocínio for tão simples assim, Ciro e Simone também estão inviabilizando a vitória de Bolsonaro no primeiro turno, no pressuposto de que os eleitores da chamada terceira via não têm preferência pelo petista. Essa é uma matemática que simplifica, mas não resolve, o problema eleitoral.
Lula queimou os navios com Ciro e vice-versa. O resultado prático pode ser o deslocamento do eleitor não-ideológico do pedetista para os braços de Bolsonaro. Simone está mais ao centro e vem fazendo uma campanha claramente anti-Bolsonaro. Seus eleitores poderiam derivar por gravidade para Lula no segundo turno. Mas como reagirão a esse tipo de ataque petista?
Para vencer no primeiro turno, tanto Lula como Bolsonaro teriam que seduzir os eleitores de centro. O presidente começa a se movimentar nessa direção, empurrado pelo fracasso da estratégia de confrontação ideológica, pelo resultado das pesquisas, pela orientação de seus marqueteiros e pelas pressões do Centrão, cujos políticos não são de pular na cova com o caixão.
Compromissos
Lula não quer conversa antes do segundo turno. Acredita que vencerá no primeiro sem ter que assumir compromissos políticos com essas forças, nos mesmos termos que assumiu com o ex-governador Geraldo Alckmin, seu vice, e com Marina Silva. Qual a razão?
O Brasil é uma democracia de massas, com uma Constituição democrática de viés social liberal, e não social-democrata. Seu gesto em direção ao centro seria assumir compromisso com a democracia representativa e suas instituições de caráter liberal, não apenas abrir espaço para barganhas de natureza fisiológica, que serão inevitáveis quando precisar dos votos do Centrão, se for eleito.
Ciro tem um projeto neonacionalista, de viés desenvolvimentista, que estaria mais próximo do governo de Dilma Rousseff, que fracassou na política e na economia, do que do próprio governo Lula. A proposta mais populista de Ciro — renegociar as dívidas da população de baixa renda e “limpar” o nome no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) — foi encampada por Lula, antecipando-se a qualquer acordo que justificasse uma aliança entre ambos no segundo turno. Dificilmente haverá uma reaproximação entre ambos.
Simone tem um programa liberal social e um compromisso claro com o combate às desigualdades e à defesa dos direitos humanos. Sua agenda social é plenamente coincidente com a de Lula, mas a política econômica, não. O petista faz disso um mistério, mas todo mundo sabe que só há duas maneiras de enfrentar a crise fiscal: reduzindo gastos ou aumentando os impostos.