Nas entrelinhas: A vocação do PMDB

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O Palácio do Planalto trabalha um projeto de centralização política e alinhamento incondicional do PMDB ao presidente Michel Temer, pré-condição para uma candidatura própria em 2018

O PMDB realiza hoje sua convenção nacional diante de sua maior contradição: desde as eleições de 1989, a legenda abdicou de sua vocação presidencialista, construída na oposição ao regime militar e na campanha das Diretas Já, para se colocar como partido parlamentarista, cujo poder de fogo foi demonstrado em dois impeachments, o de Fernando Collor de Mello, em 1992, e o de Dilma Rousseff, no ano passado. Em todas as eleições presidenciais, os candidatos da legenda à Presidência da República foram “cristianizados”, inclusive o líder histórico do partido, Ulysses Guimarães. Agora estão diante de um dilema, lançar a candidatura à reeleição do presidente Michel Temer ou apoiar um aliado do governo de outro partido.

Aparentemente, o grupo de mais prestígio no Palácio do Planalto — o líder do governo no Senado, Romero Jucá (RR), que preside o partido, e os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-geral da Presidência) — trabalha um projeto de centralização política e alinhamento incondicional ao presidente Michel Temer, o que seria a pré-condição para uma candidatura própria do PMDB em 2018. Ontem, durante evento da Fundação Ulysses Guimarães, responsável pela formação política e produção de propostas, como o documento “Uma ponte para o futuro”, que norteia a atuação do governo, Jucá deu mais uma declaração que reforça essa orientação. Disse que a cúpula do partido valorizará e dará “tratamento diferenciado” aos mais leais, numa alusão cifrada aos recursos dos fundos eleitoral e partidário.

“Vamos dar um tratamento mínimo a todos, mas a executiva nacional vai ter o cuidado de atuar de forma que aquelas figuras que são mais emblemáticas, que são candidatos a governador, a senador, a deputado federal, que têm sido leais ao partido, devem receber efetivamente um tratamento diferenciado”, disse. A crítica mirou dissidentes como os senadores Renan Calheiros (AL), Roberto Requião (PR) e Kátia Abreu (TO). Jucá negou retaliações, mas sugeriu que os insatisfeitos deixem a legenda: “Não podemos ter uma pessoa querendo implodir um partido, atirando contra o partido e fazendo ações deliberadas para atacar o presidente da República (…) Quem age desse jeito deveria procurar outro partido. Não é o partido do MDB que dá espaço para traição”.

Na verdade, devido à impopularidade do governo e ao desgaste causado pela Operação Lava-Jato, mesmo estando no centro do poder, a legenda já sofre a pressão de forças centrífugas, que derivam para o apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principalmente. É o caso dos três caciques regionais já citados, sendo que Requião é um dos nomes que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva leva em consideração caso seja impedido de disputar a eleição. Inclusive, já estariam em curso negociações com a senadora Gleisi Hoffman (PR), presidente nacional do PT, para a eventualidade de ter que trocar de legenda com objetivo de ser o candidato apoiado pelos petistas em 2018, no caso de Lula se tornar inelegível por causa da Lava-Jato.

Velha sigla
Uma das decisões previstas para hoje será o restabelecimento da velha sigla do partido, que surgiu com o caráter de movimento de oposição legal depois que os velhos partidos da Segunda República foram fechados pelos militares, em 1966. No começo do regime bipartidário imposto pelo regime, o desempenho do PMDB contra a Arena, partido do governo, nas eleições de 1966, 1968 (municipais) e 1970, foi medíocre, a ponto de quase se autodissolver. Mas renasceu das cinzas após seu presidente, senador Oscar Passos, passar o comando da legenda para Ulysses Guimarães. Nas eleições de 1974, o antigo MDB ocupou quase três quartos das vagas em disputa para o Senado, além de duplicar a bancada na Câmara dos Deputados. Havia se tornado o instrumento legal e eleitoral de um amplo movimento de oposição ao regime.

Com o restabelecimento do pluripartidarismo, em janeiro de 1980, após a anistia, o MDB introduziu o pê na sigla. O Partido do Movimento Democrático Brasileiro protagonizou a campanha das Diretas Já, em 1983, e a eleição de Tancredo Neves, em 1985, possibilitou o restabelecimento da democracia. Mas o novo presidente faleceu sem tomar posse. Quem assumiu o governo foi o vice, José Sarney, um dissidente do antigo PDS (ex-Arena, hoje PP), recém-filiado ao partido,

Durante a Constituinte, o relator, senador Mário Covas, que pretendia ser candidato a presidente da República, não aceitou um acordo para aprovar o parlamentarismo, cujo preço seria a aceitação de cinco anos de mandato para o presidente Sarney, o que acabou aprovado mesmo assim. Desde então, ninguém conseguiu governar o país sem o apoio do PMDB, nem mesmo FHC e Lula. Quem tentou fazê-lo em confronto com a legenda não conseguiu: Collor e Dilma acabaram depostos. Atualmente, o partido governa Rondônia, Sergipe, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Tocantins, Espírito Santo e Alagoas. Controla 1.038 prefeituras, entre as quais as de Florianópolis, Cuiabá e Goiânia. Tem 59 deputados federais (dos 86 que elegeu em 2014) e 21 senadores. Continua sendo o maior e mais enraizado partido do país.