A ojeriza aos políticos está no ar em todas as camadas sociais e regiões do país. Lula e Bolsonaro se colocam como “salvadores da pátria”
Quando a marcação é constante e a distância entre as embarcações diminui, a rota é de colisão. É o que está acontecendo na política nacional. Olha-se para um lado e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) continua no mesmo rumo; mira-se para o outro e lá está o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) com a mesma proa. Enquanto isso, a distância entre eles, ou seja, em relação às eleições para a Presidência, diminui. Outras candidaturas podem congestionar o tráfego, digamos, as de Marina Silva (Rede), Geraldo Alckmin (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Álvaro Dias (Podemos), talvez a do presidente Michel Temer (PMDB), que insinua seu projeto de reeleição, mas o que nos interessa é a tal rota de colisão.
Explico: as candidaturas de Lula e Bolsonaro se retroalimentam. Um cresce na sombra do outro. A rigor, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com a decisão de ontem, ao rejeitar o embargo de declaração da defesa de Lula, concluiu a última etapa de seu julgamento. Lula é inelegível, segundo a Lei da Ficha Limpa. Foi condenado em segunda instância a 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado, com execução imediata da pena. Mas o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu-lhe um salvo conduto, porque interrompeu o julgamento do seu pedido de habeas corpus preventivo. O Supremo somente concluirá o julgamento em 4 de abril. Até lá, Lula não pode ser preso, mesmo que o juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, determine a execução imediata da pena.
Lula exulta com o desgaste sofrido pelo STF ao sustar o julgamento e expedir o salvo-conduto. Na caravana pelo Sul do país, disse aos petistas que foram aos seus comícios, que é candidato pra valer e vai ganhar as eleições. Seus advogados contestam sua inelegibilidade. Lula desafia a lei, ataca Moro e os desembargadores federais. Quem pode mais pode menos. Não importa se o registro da candidatura será negado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), hoje presidido pelo ministro Luiz Fux, que defende a aplicação imediada da Lei da Ficha Limpa, ou seja, o não registro de candidaturas “ficha suja”. Se Lula é um condenado que não pode ser preso, porém, por que não pode ser um candidato “ficha-suja” sub judice? Ou seja, concorrer à Presidência mesmo estando condenado, para se submeter ao julgamento do povo e não à Justiça.
Bolsonaro também exulta. Diz que Lula é a encarnação do mal, da esquerda que se corrompeu no poder e quebrou o país com seu bolivarismo. O ex-capitão busca a mobilização do eleitorado mais conservador, para isso, defende ideias regressivas em relação aos costumes e acusa o petista de ser comunista. Já tem consolidados parcelas expressivas dos votos da classe média e da juventude; disputa o voto dos mais pobres como um novo “salvador da pátria”, como Lula. Tem apoio de militares reformados e evangélicos, montou uma discreta máquina eleitoral que opera com desenvoltura tanto nas redes sociais como nas ruas. Lidera o “partido da ordem”. Enquanto Lula estiver em campanha aberta, não tem para ninguém. Seu adversário mais ferrenho e virulento será Bolsonaro. Os demais candidatos são mais cordatos, têm outra índole, não atacam Lula. No fundo, querem herdar seus votos; por isso, não podem assumir o papel de anti-Lula. O incrível é que esse votos lulistas, nos cenários sem o petista, migram com facilidade para Bolsonaro.
Nevoeiro
Voltando à analogia dos navegantes, estamos num nevoeiro, no qual tudo é incerta e derradeiro, sem rei e sem lei, como no poema de Fernando Pessoa. O chamado centro democrático se estilhaça em candidaturas que não ganharão densidade antes do horário eleitoral gratuito. O protagonismo de Lula e Bolsonaro, em rota de colisão, tem a carga de emoção que costuma polarizar de forma irreversível os processos eleitorais. São ingredientes da radicalização política a agressividade, a virulência, as verdades absolutas e a “fulanização” da disputa.
Tudo isso é potencializado pelas redes sociais e pela crise de representação dos partidos. Vivemos um divórcio entre as instituições da democracia representativa e a sociedade, que se articula pelas redes sociais em oposição aos partidos. A ojeriza aos políticos está no ar em todas as camadas sociais e regiões do país. Lula e Bolsonaro são políticos, não são deuses, mas se colocam como “salvadores da pátria” ao se posicionarem como adversários um do outro em termos extremos. Nesse sentido, estão em rota de colisão com a democracia. Esse é o verdadeiro sentido do “Vai bater!”.
Temos um governo fragilizado por denúncias de corrupção, um Congresso malvisto por seus representados e, agora, o Supremo na berlinda. O mais importante ainda é chegar às eleições. Mas em que condições isso acontecerá? Ninguém sabe, o cenário pode mudar se a tese da defesa de Lula for acolhida. O julgamento do habeas corpus será mesmo um divisor de águas. E a disputa pela Presidência ainda está aberta para os dois.
O presidente brasileiro defendeu a taxação de operações financeiras de super-ricos, para financiar o combate…