Nas entrelinhas: Um teste de força

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Somente um governo eleito com esse programa poderia fazer reformas profundas. Temer terá que fazê-las de forma mitigada, legitimado apenas pela recessão e pelo desemprego

O governo Temer é liberal e reformista, mas vive a contradição de ser de transição, em meio à maior recessão da história republicana, uma crise ética que ameaça levá-lo de roldão com a elite política do país e o colapso do capitalismo de Estado brasileiro, cujo último lance foi esse escândalo da carne. Quis a Fortuna que o Brasil não tivesse até agora um governo liberal. Houve duas oportunidades históricas, mas ambas foram abortadas.

A primeira foi o governo de Sarney, vice como Temer, que não fez o que faria Tancredo Neves, que morreu às vésperas da posse. Foi contingenciado por Ulysses Guimarães à frente da Constituinte. Do entulho autoritário do regime militar, ainda restaram a estrutura vertical do nosso Estado positivista, a forte presença estatal no setor produtivo e corporações poderosas na administração federal, que se reproduzem nos estados e municípios.

A segunda oportunidade perdida foi o brevíssimo governo Collor, eleito com o forte discurso liberal, mas que se embriagou com o poder e tropeçou nas próprias pernas, em meio a um escândalo envolvendo o tesoureiro de campanha e um caixa dois que, resguardada as proporções, parece até cofre de porquinho diante do petrolão e outros escândalos sob investigação da Operação Lava-Jato. Legou ao país, porém, a abertura da economia para a globalização.

O governo de Fernando Henrique Cardoso, um social-democrata, foi reformista, com uma equipe econômica social-liberal, em permanente conflito com a ala desenvolvimentista do PSDB. Todo seu esforço foi focado no combate à inflação, no equilíbrio fiscal, na reforma patrimonial do Estado em crise de financiamento e no desmonte de um setor produtivo estatal que havia se tornado anacrônico e deficitário.

Para a esquerda brasileira, liberal é sinônimo de tudo o que pode haver de ruim na política. Para a opinião pública, ao contrário, é a esquerda que virou palavrão, tamanho o desastre causado pelos governos Lula e, principalmente, Dilma. Esse ambiente é propício à aprovação de medidas reformistas, para reduzir o tamanho do Estado, como as concessões de aeroportos, portos, ferrovias etc. E também de austeridade, como a nova regra do teto dos gastos públicos aprovada pelo Congresso.

O atual governo ousou pouco do ponto de vista do enxugamento da máquina administrativa. Por duas razões: de um lado, foi loteado entre os partidos da antiga base governista que haviam se descolado do governo Dilma, a começar pelo próprio PMDB, e os partidos de oposição, principalmente PSDB, DEM, PSB e PPS, que lideraram a luta pelo impeachment de Dilma; de outro, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em razão da recessão, temia que um ajuste forte nos gastos públicos levasse a economia ao colapso e decidiu fazê-lo a médio e longo prazos, o que não foi suficiente para evitar o rombo atual nas contas públicas em razão da queda de arrecadação.

O governo agora está diante de uma situação dramática, na qual tem que fazer cortes nos gastos públicos, com impacto nas políticas sociais, e aumentar impostos, agravando atividades produtivas, para manter o equilíbrio das contas públicas. Ao mesmo tempo, precisa realizar reformas na Previdência, na legislação trabalhista e no sistema tributário. Somente um governo eleito com esse programa poderia fazer reformas profundas. Temer terá que fazê-las de forma mitigada, legitimado apenas pela necessidade de salvar o país de mais recessão e desemprego.

Ou seja, não basta a vontade do presidente da República de passar à História como grande reformista. Há que se ter uma correlação de forças favorável tanto no Congresso quanto na sociedade. Em ano pré-eleitoral, nada passa no parlamento sem apoio da opinião pública. Não se trata da popularidade de Temer, mas do apoio social ao que está sendo feito para o bem comum. O primeiro teste do governo quanto a isso foi a aprovação da terceirização pela Câmara, que vai à sanção presidencial. Parece um assunto resolvido, mas não é.

Greve geral
A votação dividiu a base do governo, inclusive o PMDB, e colocou em xeque as demais reformas, principalmente a reforma da Previdência, que enfrenta uma ampla coalizão contrária. Temer pode sancionar sem emendas o projeto, como querem os representantes do empresariado que apoiam o governo, mas a contrapartida é a unificação e radicalização do movimento sindical e sua instrumentalização pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa é a praia do PT.

Uma greve geral está sendo organizada para 28 de abril, o que pode ser um teste de força. Com o desemprego em massa, dificilmente uma greve geral, mesmo que por tempo determinado, terá adesão maciça dos trabalhadores empregados no setor privado, mas há os funcionários públicos e os empregados de estatais, e uma massa de desempregados, sem-teto e sem-terra que estão sendo mobilizados. O PT parece renascer das cinzas da Lava-Jato. De volta às ruas, agita as velhas bandeiras vermelhas contra as reformas.

A terceirização desregulamenta a velha CLT da Era Vargas. Discute-se a aprovação de uma nova lei, complementar, no Senado, para garantir alguns dos direitos trabalhistas e evitar a “precarização” do trabalho assalariado. O governo não deve vetar o projeto aprovado na Câmara, mas na área econômica a “pejotização” é vista como um tiro no pé da arrecadação, com impacto direto na Previdência. Não é fácil ser um governo de transição.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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