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Nas entrelinhas: Um pouco da memória de Dilma não faria mal a Lula

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A oposição está voltando à pauta de junho de 2013, com o argumento verdadeiro de que a maioria dos contribuintes paga imposto, mas não vê melhoria na qualidade de vida

Nove entre 10 petistas têm a convicção de que a história do Brasil seria diferente se a ex-presidente Dilma Rousseff desistisse da reeleição e apoiasse a volta de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, nas eleições de 2014. É uma avaliação que se baseia muito mais no papel do indivíduo na história do que no balanço crítico da política que vinha sendo executada pelo governo, cujo colapso econômico viria a ser decisivo para o impeachment da ex-presidente, muito mais do que o escândalo da Petrobras.

Ainda hoje, a maioria do partido não fez autocrítica da estratégia da “nova matriz econômica”, pautada por uma visão nacional-desenvolvimentista desconectada da realidade econômica mundial, e, mais ainda, do seu contexto político. Haja vista a oposição que ainda faz ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, por não aderir às teses que fundamentaram aquele fracasso.

A reeleição de Dilma embaçou a avaliação sobre o significado e a profundidade reais das manifestações de protestos ocorridas a partir de junho de 2013, que foi uma explosão de insatisfação popular. Como se sabe, tudo começou quando estudantes do Movimento Passe Livre (MPL) queimaram uma catraca de papelão, interrompendo o tráfego na Avenida 23 de Maio, na altura do Vale do Anhangabaú, centro da cidade de São Paulo.

Lutavam contra o aumento das tarifas do transporte público, que haviam subido de R$ 3 para R$ 3,20 no início do mês. A polícia reprimiu o protesto como tinha feito de outras vezes. Porém, em menos de duas semanas, o Brasil assistiria a manifestações de inédita envergadura, que se estenderam para ao Rio de Janeiro e a Belo Horizonte e, a seguir, ganhariam as ruas das principais cidades do país. O que unificava a agenda dos manifestantes era o chamado “padrão Fifa”, a melhoria da qualidade dos serviços públicos, a contrapartida à população aos impostos que pagava.

Ontem, Lula afirmou que o imposto sobre herança no Brasil “é nada” perto do que é pago por norte-americanos, durante a comemoração dos 10 anos do Campus Lagoa do Sino, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em Buri (SP). O presidente fez a afirmação acerca do imposto sobre herança ao citar a doação de patrimônio por magnatas norte-americanos a estabelecimentos de ensino. Para Lula, o imposto mais alto sobre herança praticado nos EUA estimula a doação a universidades e institutos, o que é verdade.

Quando uma pessoa morre nos EUA, 40% da herança é paga de imposto. “Aqui, no Brasil, você não tem ninguém que faça doação porque o imposto sobre herança é nada, é só 4%. Então, a pessoa não tem interesse em devolver o patrimônio dela”. Na verdade, por aqui, o imposto varia entre 1% a 8%, de acordo com a unidade da federação — nos EUA, de 18% a 40%. O campus foi construído na antiga fazenda Lagoa do Simão, doada pelo escritor Raduan Nassar à UFSCar.

Curva de Laffer

Aumentar impostos para arrecadar mais e obter o equilíbrio fiscal pela receita, sem cortar gastos, parece ser uma obsessão de Lula, mas quem paga o pato é Haddad, que também quer cortar gastos, e sofre uma intensa campanha na internet por parte da oposição por causa do choque distributivo da reforma tributária. “Taxad”, “Taxador de Promessas”, “Zé do Taxão”, “Nostaxamus”, “Taxa Humana”, “Pero Vaz de Taxinha” são memes que circulam nas redes, com um humor corrosivo que deveria preocupar o governo.

A narrativa oficial é a defesa da justiça tributária, cuja grande bandeira foi a reforma aprovada pelo Congresso e que está sendo regulamentada. Nessa caminhada, privilégios, renúncias fiscais e impostos seletivos, tendo sempre Haddad como interlocutor, tornaram o ministro da Fazenda refém dessa pauta. A comparação da carga tributária de 30 países com as maiores tributações no mundo com o seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBTP), mostra que o Brasil aparece em último lugar, atrás do Uruguai (9º) e da Argentina (22º). O ranking foi liderado por Irlanda, Suíça, EUA, Austrália e Coreia do Sul.

Os críticos do governo estão voltando à pauta generalista de junho de 2013, com o argumento verdadeiro de que a maioria dos contribuintes não vê melhoria da segurança pública, do sistema público de saúde, de estradas e rodovias. Argumentam que se financia a máquina do governo, partidarizada pelo PT, com aumento de impostos, sem contrapartida em bons serviços. Não é bem assim. A carga tributária média de 2023 caiu em relação ao ano anterior, mas como a arrecadação subiu, o discurso cola.

Ninguém gosta de pagar impostos — se gostasse, o nome seria outro. Existe uma teoria econômica sobre seus limites, a Curva de Laffer. A tese é de que há um ponto em que o aumento da carga tributária provoca perda de arrecadação, por saturação, ao inibir a atividade econômica. Na econometria, o cálculo é possível; mas, na vida real, é quase inviável.

O modelo de Arthur Laffer, porém, foi adotado durante a presidência de Ronald Reagan como um dos argumentos para a redução de impostos nos EUA na década de 1980. Ou seja, a curva dos impostos bateu no teto da política.

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