Nas entrelinhas: Um Natal em meio à crise

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A crença no futuro é da natureza humana. Há uma sensação na sociedade de que as coisas podem mudar e, de certa forma, estão mudando

O filme Cavalo de guerra, de Steven Spielberg (EUA, 2011), conta a saga de Joey, o potro do jovem Albert Narracott (Jeremy Irvine), um humilde filho de agricultor da Inglaterra pré-Primeira Guerra Mundial. As circunstâncias difíceis da vida forçam Tedd Narracott (Peter Mullan), pai do jovem, a vender o cavalo, mesmo contra a vontade do filho. A história começa em terras inglesas, antes da 1ª Guerra Mundial. O tema central da primeira parte é a desigualdade social, em meio a conflitos familiares: a mãe do protagonista, Rose, tenta mostrar para o filho que o pai dele não é apenas um bêbado, mas também um homem honrado, que voltou atormentado da guerra da África. O filho acaba aprendendo a lição, quando vive na própria pele as dificuldades e absurdos de uma guerra.
A segunda parte do filme relata o embate entre ingleses e alemães na França, entre 1914 e 1918. A trama está no percurso de Joey pela guerra, nas duas frentes de batalha. Spielberg mostra de forma nua e crua o desenrolar do primeiro conflito mundial e seu impacto no cotidiano das pessoas. A trajetória de Joey ganha força épica na medida em que o cavalo encarna a esperança em meio às trincheiras manchadas de sangue e às milhares de mortes de ambos os lados, entre vitórias e derrotas. A fotografia de Janusz Kaminski realça o drama humano na narrativa da vida de um cavalo. O ponto alto do filme é a confraternização entre os soldados ingleses e alemães na noite de Natal, na terra de ninguém, na verdade o campo de batalha entre britânicos, franceses e alemães. A produção custou US$ 66 milhões, mobilizou 5.800 pessoas, mas rendeu mais de US$ 110 milhões.
A Primeira Guerra Mundial foi uma das maiores carnificinas da História. Suas batalhas foram mais longas e maiores. Quase toda a Europa se envolveu no conflito, o que levou à destruição do continente. Uma guerra cujo objetivo único era a destruição total do inimigo. Nela se experimentou pela primeira vez as armas químicas, a aviação e as bombas de alta potência; foi uma guerra de trincheiras, com os soldados expostos às condições mais abjetas. As sequelas políticas e econômicas da guerra foram tamanhas que resultaram na II Guerra Mundial.
Na verdade, na noite de Natal de 1914, em vários pontos das trincheiras, houve confraternizações entre os soldados. O fenômeno foi tão generalizado — uma espécie de armistício informal — que virou objeto de estudo nas escolas de estado-maior dos principais exércitos do mundo. É chamado de “sombra do futuro”. Por que esse nome? Ora, porque apesar das proibições que se seguiram ao episódio, mesmo com as ameaças de corte marcial e fuzilamento, os soldados, em muitos pontos do front, não só na noite de Natal, mas durante as batalhas, começavam a fazer verdadeiros pactos cenográficos, no qual simulavam os ataques, com objetivo de reduzir ao máximo o número de baixas.
No fim da guerra, a sombra do futuro dos soldados era a maior do que a dos seus marechais. Haviam se dado conta de que a carnificina já não tinha mais nenhum sentido, tamanha a destruição que causara, e que sobreviver às batalhas era muito mais importante não só para eles e suas famílias, mas para o futuro de seus respectivos países. Ainda mais depois da Revolução Russa de 1917, na qual soldados e marinheiros resolveram abandonar a guerra e apoiar os bolcheviques, que tomaram o poder, o que assustou todas as demais potências da época.

A esperança

Com certeza, este Natal está entre os piores da história do país. Recessão, desemprego em massa, escândalos políticos, conflitos entre os poderes, insatisfação social. Todos os ingredientes para a desespero dos cidadãos estão dados. Entretanto, a esperança renasce no Natal, quando nada porque o Brasil é uma nação na qual o cristianismo é predominante. Mas não se trata apenas de uma motivação de natureza religiosa. A crença no futuro é da natureza humana. Há uma sensação na sociedade de que as coisas podem mudar e, de certa forma, estão mudando.
Na verdade, a “sombra do futuro” da sociedade é maior do que a dos nossos políticos, por vários motivos. Sem dúvida o mais forte deles é a Operação Lava-Jato. Provavelmente, muitos dos envolvidos passarão o pior Natal de suas vidas, pois estão na cadeia sem direito a “saidão”. A vida de grã-fino foi uma espécie de pacto de Fausto com Mefistófeles, no qual o preço a pagar era ir para o inferno.
Não, não se trata de condenar todos os políticos a priori, muito menos acreditar que os procuradores da força-tarefa que investigam o escândalo da Petrobras estão acima do bem ou do mal. Nada disso. Trata-se apenas de reconhecer que se chegou a um ponto sem volta, a partir dos acordos de leniência da Odebrecht e da Braskem com os Estados Unidos e a Suíça e as delações premiadas dos executivos dessas empresas. A destruição causada pelo modelo predatório de negócios privados com dinheiro público é irreversível, porém, fomenta grandes mudanças. Graças a isso, uma nova política e melhores políticos surgirão.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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