Fernando Henrique Cardoso está mais para confundir do que pra explicar. Estimula a candidatura do apresentador Luciano Huck e não poupa o PSDB de críticas, o que gera incômodos para Alckmin
A frase “São Paulo é o túmulo do samba” é atribuída a Vinícius de Moraes, em protesto contra o público da antiga boate Cave, na rua da Consolação, no Centro de São Paulo, durante apresentação do pianista e compositor Johnny Alf, um dos pioneiros da bossa nova, em 1960. Parceiro de Adoniran Barbosa, o poeta carioca logo se arrependeu do que disse, pois a cidade sempre foi um grande e acolhedor mercado para os sambistas cariocas. Hoje, os desfiles de escolas de samba e a explosão do carnaval de rua mostram que sambistas paulistas pioneiros como Germano Mathias, Geraldo Filme, Dona Inah, Oswaldinho da Cuíca e Seu Nenê da Vila Matilde não semearam em vão.
Tiro ao Álvaro, Saudosa maloca, Iracema e Trem das 11, de Adoniram Barbosa, e Volta por cima, de Paulo Vansolini, são clássicos do samba paulista, cantados em todo o país. A homenagem aos sambistas de São Paulo, na véspera do carnaval, é um abre-alas para pedir passagem e falar da política paulista, bem na véspera do sábado de carnaval. Boa parte da incerteza em relação ao que vai acontecer com país nas eleições deste ano tem a ver com o xadrez da política de São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, que hegemoniza a sucessão presidencial.
São Paulo pode se tornar o túmulo da velha polarização PT versus PSDB, que vem pautando as disputas presidenciais desde a primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994. Nas últimas eleições municipais, o PT quase foi varrido do estado, onde Dilma Rousseff, ao ser reeleita, já havia sofrido uma derrota acachapante. Sem Lula na corrida presidencial, o PT terá as maiores dificuldades para se recuperar no estado, ainda que o ex-prefeito Fernando Haddad seja o substituto do líder petista na chapa. Mesmo na região do ABC, onde nasceu, a situação do PT é dramática.
Mas a grande novidade é a situação do PSDB, que enfrenta a sua maior crise. O governador Geraldo Alckmin, que pretende deixar o cargo em 7 de abril para se candidatar a presidente da República, não decola nas pesquisas. Pelos cálculos de seus estrategistas, isso somente ocorreria após o início do horário gratuito de tevê e rádio, em 31 de agosto. É muito tempo para ficar no sereno, enquanto a crise na sua base eleitoral se aprofunda. O PSDB não aceita apoiar a reeleição do vice-governador Márcio França (PSB) e entregar de mão beijada o segundo orçamento do país para o aliado. Quanto mais dificuldade enfrenta Alckmin, mais corrosão ocorre na sua base.
O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), com menos de dois anos de mandato, ensaia a candidatura ao Palácio dos Bandeirantes. Tenta um acordo com o PMDB e o PSD, do ex-prefeito Gilberto Kassab. França se mobiliza na Assembleia Legislativa e junto aos prefeitos do interior. E manda recado de que passará o rodo nos tucanos que não quiserem apoiá-lo, mesmo que sejam aliados de Alckmin, que precisa de uma aliança nacional robusta. O apoio à reeleição de França poderia garantir a coligação com o PSB, mas há resistências por causa da política de Pernambuco. O governador Paulo Câmara (PSB) namora o PT para viabilizar a reeleição. Ou seja, não é nada fácil a vida de Alckmin, que ainda enfrenta um desafiante nas prévias do partido: o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB).
Isolamento
Para complicar mais, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso parece seguir a máxima do Chacrinha: está mais para confundir do que pra explicar. O líder tucano estimula a candidatura do apresentador Luciano Huck e não poupa o PSDB de críticas, o que gera incômodos para Alckmin. É mais uma incógnita das eleições. O presidente do PPS, Roberto Freire (SP), aliado de Alckmin, ontem escancarou sua intenção de filiar o apresentador à legenda e apoiar sua candidatura, preterindo também o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), ex-governador do Distrito Federal, cuja pré-candidatura tem apoio de setores do partido. A seção paulista do PPS, porém, permanece com Alckmin.
Um ator silencioso na política de São Paulo é o presidente Michel Temer. Suas relações com Alckmin não são das melhores. No Palácio do Planalto, os movimentos são para evitar que o tucano unifique o centro democrático. Há expectativas de que a aprovação da reforma da Previdência e seu impacto na economia possam melhorar a popularidade de Temer, mas a grande aposta é nos indicadores de inflação, que em janeiro foi 0,29%, a mais baixa desde o Plano Real, em 1994. Com a taxa de juros no patamar mais baixo da história, 6,75%, o círculo íntimo de Temer acredita que ele possa ter um papel decisivo na própria sucessão, talvez até disputar a reeleição. Não é à toa que Temer quer isolar o PSDB, que desembarcou da na base do governo, e tenta confinar Alckmin em São Paulo. Ontem, por exemplo, jogou água fria numa aliança de Doria com Paulo Skaf, presidente da Fiesp e potencial candidato ao Palácio dos Bandeirantes.
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