“O diversionismo do governo se intensifica toda vez que o presidente reitera seu apoio à reforma da Previdência. Bolsonaro cria polêmicas sobre temas que não são prioritários”
O fato mais relevante para a oposição desde a posse do presidente Jair Bolsonaro foi um desperdício de oportunidade: a entrevista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos jornais Folha de S. Paulo e El País. Preso em Curitiba, por lavagem de dinheiro e corrupção passiva, o petista poderia ter feito um mínimo de autocrítica e lançado um chamamento à unidade das forças derrotadas por Bolsonaro nas eleições, em torno de um programa básico. Desconectado da realidade política, porém, preferiu dizer que o país é governador por um “bando de malucos” e manteve prisioneiro o seu próprio partido. Sim, porque o “Lula livre” aprisiona o PT, como o “Viva Prestes” aprisionou a oposição aliancista durante o Estado Novo, até que o velho PCB decidisse entrar na campanha pela criação da Força Expedicionária Brasileira (FEB), encabeçada por Amaral Peixoto e Oswaldo Aranha, no fim do governo Vargas, para lutar contra o Eixo nos campos da Itália.
Entretanto, tropeçar nas próprias pernas não é privilégio. Sem oposição, Bolsonaro faz a mesma coisa, ao insistir numa agenda que acredita majoritária, só porque ganhou a eleição: investe contra os professores, os funcionários do Ibama e do ICMBio, o marqueteiro do Banco do Brasil, os índios, os direitos humanos, a antropologia, a sociologia e a filosofia. Imagina reescrever a história e por aí vai. A agenda da campanha eleitoral era centrada na questão da violência e dos costumes. Bolsonaro acredita que isso vai garantir o sucesso do seu governo, se pagar as promessas que fez no palanque. A eleição já passou, nada disso garante que seu governo dará certo.
Bolsonaro perde o foco nas variáveis que podem mudar o quadro econômico. O PIB recuou 0,1% em relação ao trimestre anterior; o investimento, 0,6%. No cenário mais otimista, o mercado financeiro projeta um crescimento de 1,9% em 2019. O pessimismo dos empresários pode ser mensurado pela chamada “formação bruta de capital fixo” (investimentos em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação). Entre o terceiro trimestre de 2013 e o quarto trimestre de 2016, a queda foi 31,6%. Esperava-se uma recuperação maior após o fim da recessão, mas o crescimento foi de apenas 6% nos últimos oito meses.
Para alguns economistas, a opção do governo para aquecer a economia seria cortar mais os juros, em 6,5% ao ano desde março de 2018. Bolsonaro ouviu esse galo cantar e resolveu meter a colher no Banco do Brasil, novamente. Ontem, numa feira agropecuária, pediu ao presidente da instituição, Rubem Novaes, que já provou ser bem-mandado no episódio da campanha de marketing, para reduzir os juros cobrados pelo banco. Como era de se esperar, ações do BB despencaram na Bovespa. No fim da tarde, o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros, “retificou” as palavras do presidente. Está craque na interpretação das suas intenções: “Eu estava lá, me encontrava quando o presidente fez esse comentário com o presidente do Banco do Brasil. Foi um comentário num ambiente muito amigável. Obviamente que o presidente não quer e não intervirá em quaisquer aspectos que estejam relacionados a juros dos bancos que estão, em tese, sob o guarda-chuva do governo”.
Diversionismo
Se não perder o foco, o governo poderá de fato baixar os juros no segundo semestre, graças a três variáveis: os avanços no programa de concessões na área de infraestrutura e privatizações de estatais; a autonomia do Banco Central, cujo projeto está na Câmara; e a aprovação da reforma da Previdência, que deverá ocorrer no segundo semestre. São condições objetivas para que a economia se reaqueça, revertendo a situação atual, que registra 14 milhões de desempregados. O maior obstáculo à retomada do investimento, hoje, é a falta de eixo político do governo.
O mais curioso é que o diversionismo do governo se intensifica toda vez que o presidente reitera seu apoio à reforma da Previdência. Ao mesmo tempo que se compromete com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de que vai se empenhar para que a base aprove a reforma, Bolsonaro cria polêmicas sobre temas que não são prioritários, embora de fato façam parte de suas bandeiras de campanha eleitoral. Se dependesse somente dessa agenda, não venceria; ganhou porque o povo quer segurança, emprego, saúde e educação de qualidade. E a maioria não desejava o PT de volta ao poder.