Nas entrelinhas: Todos os gatos são pardos

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O impeachment de Dilma Rousseff está apenas no meio do caminho. Uma conta de subtrair mostra que com dois votos a presidente poderia voltar ao Palácio do Planalto

O romance “Il Gattopardo”, do siciliano Giuseppe Tomasi di Lampedusa, retrata a decadência da aristocracia siciliana durante o Risorgimento, o movimento de unificação da Itália, personificada na família de Don Fabrizio Corbera, Príncipe de Salina. Um dos trechos célebres do livro é o discurso do sobrinho de Don Fabrizio, Tancredi, príncipe de Falconeri, incitando seu tio cético e conservador a abandonar sua lealdade aos Bourbons do Reino das Duas Sicílias e aliar-se aos Saboia, para evitar que os revolucionários liderados por Giuseppi Mazzini e Giuseppi Garibaldi tomassem o poder: “A não ser que nos salvemos, dando-nos as mãos agora, eles nos submeterão à República. Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude.”

O título “Il Gattopardo” (O Leopardo) refere-se ao brasão da família. Faz alusão ao felino, que foi caçado até a espécie ser extinta, em meados do século XIX. Nessa época, Don Fabrizio testemunhava o declínio e a indolência da aristocracia siciliana. Lançado em 1956, o livro de Lampedusa retrata uma situação política recorrente, universal, popularizada no cinema pelo filme de Luchino Visconti, com o mesmo nome.

O discurso de Trancredi tem tudo a ver com a atual situação do Brasil. O presidente interino, Michel Temer, anunciou ontem as primeiras medidas de ajuste fiscal para enfrentar a crise econômica. Disse, com todas as letras, que o futuro do país, o sucesso de seu governo e (não disse, mas deu a entender) o destino da maioria dos políticos depende das decisões do Congresso. Apresentou-se como uma espécie de chefe de governo de um regime semi-parlamentarista, cuja capacidade de responder às demandas da sociedade está à prova.

No momento em que Temer fazia seu pronunciamento, delegados e procuradores federais da Lava-Jato, em Curitiba, anunciavam os objetivos da 30ª fase da operação, denominada Vício, um dia depois de 29ª fase, intitulada Repescagem. Na primeira, o alvo principal foi o ex-tesoureiro do PP, João Cláudio Genu que foi preso; na segunda, mais uma vez, o ex-ministro e ex-deputado petista José Dirceu, que já estava preso e acaba de ser condenado a mais 21 anos de prisão. No Senado, simultaneamente, dois investigados na Lava Jato protagonizavam o debate sobre as medidas econômicas: o senador Romero Jucá (PMDB-RR), cuja exoneração do Ministério do Planejamento foi publicada ontem, e a senadora Gleisi Hoffman (PT-PR), ex-ministra da Casa Civil de Dilma Rousseff. O primeiro se empenha para aprovar a nova meta fiscal, um deficit de R$ 175,5 bilhões; a segunda tenta obstruir a pauta e paralisar o governo Temer.

O impeachment de Dilma Rousseff está apenas no meio do caminho. Uma conta de subtrair mostra que com dois votos a presidente poderia voltar ao Palácio do Planalto, desfazendo a maioria que aprovou seu afastamento, por 55 a 22 votos. No Senado, coisas estranhas acontecem quando os senadores coçam a gravata. É a senha para votar contra, sair do plenário, se abster. Na reunião da Comissão de Orçamento, pela manhã, Gleisi derrubou a sessão por falta de quorum. O líder do PMDB, Eunício de Oliveira (CE), não estava presente. Senadores do PSDB resmungam pelos corredores que querem ver a bancada do PMDB enfrentar o PT na comissão especial do impeachment. Não digeriram a escolha de José Serra (PSDB-SP) para o Itamaraty, sem que um deles ocupasse outra pasta na Esplanada.

Mas é remota a possibilidade de Dilma voltar ao Palácio do Planalto, apesar do alarido dos petistas e das idiossincrasias tucanas. Lampedusa explica: os Tancredis traíram os Bourbons e se aliaram aos Saboia. Os partidos de oposição foram abduzidos pelos eternos governistas, que tomaram conta do governo Temer para tudo mudar e continuar igual. O vice Michel Temer sabe do que se trata. É um político experiente, que por três vezes comandou a Câmara e conseguiu manter o controle do PMDB numa disputa na qual o ex-presidente Sarney e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), estavam aliados ao ex-presidente Lula. Por duas vezes foi eleito vice na chapa de Dilma, para arrependimento dos petistas.

Os gatos que intitulam a coluna estão em cena. Na penumbra do Congresso, desculpem-me o trocadilho infame, todos os parlamentares da base são gatos pardos, não importa se têm um passado imaculado ou estão sujos de arara pela Lava-Jato. Para Michel Temer, o mais importante são os votos a favor do seu governo e do impeachment de Dilma. Antes que o povo volte pra rua e engrosse os camaleônicos protestos petistas, que agem como se nada tivessem com tudo isso, embora seja o resultado de 13 anos de mando petista.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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