As prioridades de Temer são um freio de arrumação na crise fiscal e a aprovação definitiva do impeachment. Qualquer erro na condução política pode ser fatal
O governo provisório do presidente interino, Michel Temer, ainda está enrolando os paraquedas, sob intenso tiroteio inimigo. E para complicar ainda mais a situação, o que não falta é fogo amigo. Era uma situação previsível, porque não houve uma transição entre o governo que saiu e o que entrou para garantir certa continuidade administrativa, ainda que a situação seja de ruptura, salvo nas pastas onde a alta burocracia de carreira ainda tem alguma influência.
Antes de se despedir do cargo, Dilma Rousseff exonerou todos os ministros; os que assumiram ficaram à mercê da boa vontade dos subordinados, mesmo aqueles que foram ministros do governo afastado e se baldearam para o atual, na reta final da aprovação do pedido de impeachment. Além dessa situação administrativa, governo que entra está encontrando um terreno arrasado por um terremoto econômico e uma tempestade política.
Essa situação favorece os erros e agrava as consequências. Ainda mais porque alguns ministros estão assumindo o comando de suas pastas sem avaliar direito a situação real em que se encontram. O resultado são declarações polêmicas, que depois precisam ser desmentidas, e algumas disputas por esferas de influência, tanto no núcleo político quanto na equipe econômica. Por exemplo, Temer teve que desautorizar a proposta de seu ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, de mudança no processo de escolha do procurador-geral da República. E administra contradições internas na base do governo na Câmara.
A Justiça sempre foi uma pasta política. É meio inevitável seu titular se envolver em assuntos polêmicos, pois acaba sempre no meio do fogo cruzado das relações entre os poderes do Estado com a sociedade. Moraes cultiva a imagem do cara durão, que combinava com a função de secretário de Segurança Pública de São Paulo, mas não é o melhor figurino para um ministro da Justiça, ainda que a bandeira da Ordem esteja gravada no slogan do governo Temer. A outra é Progresso. A política nacional é mais complexa do que a paulista, cujas características, digamos, são de uma guerra de posições, na qual PSDB e PT se digladiam, sem outros grandes protagonistas. Moraes precisa levar em conta que as contingências do Brasil não são as de São Paulo. Ou toda hora Temer terá que corrigi-lo e socorrê-lo.
A fricção não fica por aí, tem coisa mais complicada ainda. O sucesso do governo Temer está nas mãos do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, cuja política econômica precisa ser blindada. Ocorre que o ministro assumiu e pôs na pauta assuntos polêmicos, como a mudança da idade mínima para aposentadoria e a criação de um imposto provisório para fechar as contas do governo. De imediato, as centrais sindicais reagiram, a começar pela Força Sindical, liderada pelo deputado Paulinho da Força, aliado incondicional do presidente da Câmara afastado, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e um dos artífices do impeachment de Dilma. Na outra ponta, o presidente da poderosa Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, outro aliado de Temer, também já disse não. A entidade é um bunker do impeachment na Avenida Paulista.
O barulho maior, porém, é na Cultura, ministério extinto, que seria anexado à Educação, onde se organizava um condomínio político comandado pelo ministro Mendonça Filho, do DEM, com a participação do PSDB, na secretaria executiva, e do PPS, na secretaria de Cultura. Deu errado, porque os artistas e produtores culturais, atiçados pelo ex-ministro Juca Ferreira e pelo PT, se mobilizaram contra a extinção do MinC e bombardearam a proposta, que teve ampla rejeição no meio artístico. Pra completar, nenhuma mulher faz parte do primeiro escalão, o que levou Michel Temer a reconsiderar a anexação ao Ministério da Educação e criar uma secretaria diretamente ligada à Presidência, que seria entregue a uma mulher. Até ontem o assunto não estava resolvido; com a pasta acéfala, os petistas iniciaram pelo Rio de Janeiro e Belo Horizonte a ocupação dos prédios dos órgãos da Cultura. A pasta virou abacaxi.
Outra queda de braço, esta mais surda, está instalada na Câmara. A bancada mineira pleiteia a liderança do PMDB para o deputado Leonardo Quintão, mas o secretário de Governo, Geddel Vieira Lima, articula a eleição de Baleia Rossi (SP), homem de confiança de Temer e aliado de Eduardo Cunha, o presidente afastado da Câmara. Já na liderança do governo, a situação é mais complicada. Cunha articula a indicação do líder do PSC, André Moura (SE), peça importante na aprovação do pedido de impeachment, mas os partidos de oposição querem o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que contaria com apoio do grupo palaciano.
A vida do governo provisório não será nada fácil. As prioridades de Temer são um freio de arrumação na crise fiscal e a aprovação definitiva do impeachment. Em ambos os casos, qualquer erro na condução política pode ser fatal.