Nas entrelinhas: Temer atravessou o Rubicão

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O pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff agora é como as águas de um rio que chega à barra com a maré vazante: arrastam tudo o que tem pelo caminho

Um pequeno curso d’água na Itália Setentrional, que corria para o mar Adriático, um pouco ao norte de Ariminium (Rimini), entrou para a história da humanidade em 49 a.C; quando o general Júlio César decidiu atravessá-lo e desafiar o Senado romano. Como estava proibido de entrar em Roma com suas tropas, sua decisão provocou uma guerra civil entre suas forças e as de Pompeu, o Grande. Dessa atitude audaciosa, nasceu o Império Romano e a expressão famosa, “atravessar o Rubicão”, que representa uma decisão arriscada e sem volta, sintetizada na expressão latina Alea jacta est, ou seja, a sorte está lançada.

Essa é a situação do vice-presidente Michel Temer, depois do vazamento da gravação na qual anuncia suas intenções no caso de o impeachment ser aprovado pela Câmara e ter que assumir a Presidência. O vice não é um general romano, nem estamos à beira de uma guerra civil, embora a narrativa do golpe, repetida dia sim e outro também pela presidente Dilma Rousseff, se fosse o mesmo o caso, devesse considerar essa hipótese. Também não é um Forrest Gump, aquele personagem do romance de Winston Groom que virou blockbuster de Hollywood. O herói interpretado por Tom Hanks não parecia talhado para coisa alguma, mas teve uma existência extraordinária, pois tudo dava certo para ele.

Em circunstâncias normais, a gafe de Temer — há controvérsias sobre isso, a presidente Dilma Rousseff está convencida de que seu vazamento foi proposital — levaria o vice-presidente da República ao mais absoluto ostracismo, com a pecha de traidor e trapalhão. Mas, na crise que o país vive, com a aprovação da admissibilidade do pedido de impeachment pela comissão especial da Câmara, por um escore de 38 a favor e 27 contra, Temer se parece mais com aquele príncipe de Maquiavel que deixou a prudência de lado para apostar tudo na Fortuna e, assim, chegar ao poder.

O pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff agora é como as águas de um rio que chegam à barra com a maré vazante: arrastam tudo pelo caminho. Por isso, a presidente vai à garra, desde a segunda-feira. Na contabilidade da oposição, são 334 votos a favor do impeachment e 140 contra, com 39 indecisos. A blindagem do governo está sendo rompida porque as negociações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com as cúpulas dos partidos aliados, às quais oferecia cargos e ministérios que pertenciam ao PMDB, deveriam garantir 200 votos, mas fracassaram.

Na matemática do impeachment, além dos votos do PT (47) e do PCdoB (11), o Palácio do Planalto esperava contar com a maioria dos votos 47 deputados do PP, do senador Ciro Nogueira (PI), que negociou o Ministério da Saúde com Lula. Mas a bancada decidiu por 37 a 9 que votará a favor do impeachment. A bancada do PRB, que desembarcou do governo, fechou questão a favor do afastamento: são 22 deputados. Outro partido importante é o PSD, do ministro das Cidades, Gilberto Kassab. Dos 36 deputados da bancada, 24 são favoráveis ao impedimento, apenas cinco apoiam o governo, enquanto sete estão indecisos. E o pequeno PTN, mesmo com a promessa de um ministério, também roeu a corda: dos seus 13 deputados, oito são a favor do impeachment, quatro apoiam o governo e um está indeciso.

Lava-Jato

A Operação Lava-Jato também continua rondando o Palácio do Planalto. Ora são boatos de que os ex-ministros Erenice Guerra e Antônio Palocci, que passaram pela Casa Civil durante seu primeiro mandato, estariam na iminência de serem presos; ora são notícias de verdade, envolvendo aliados próximos, como a prisão do ex-senador Gim Argello (PTB-DF). Amigo de Dilma, ele que comandou a operação governista que sepultou a CPI da Petrobras, instalada para investigar a compra fraudulenta da refinaria de Pasadena, no Texas, o primeiro sinal de fumaça do escândalo da Petrobras. O ex-parlamentar aproveitou a oportunidade para fazer tenebrosas transações, que estão sendo investigadas pela Operação Lava-Jato.

Para infernizar ainda mais a vida de Dilma, a juíza Luciana Raquel Tolentino de Moura, da 7ª Vara da Justiça Federal de Brasília, suspendeu a nomeação do ministro da Justiça, Eugênio Aragão, empossado no mês passado para enquadrar a força-tarefa da Lava-Jato. No despacho, a juíza cita trecho da Constituição que proíbe integrantes do Ministério Público de assumir cargos no Executivo. Aragão se licenciou do posto de subprocurador-geral da República para assumir o cargo no governo. O governo vai recorrer ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), com sede em Brasília.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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