O confronto está ancorado no passado, nos governos Lula e Dilma Rousseff e no primeiro mandato de Bolsonaro. Mira a rejeição dos candidatos, que manteve a polarização e certamente decidirá a eleição
Sempre achei muito complicado analisar o resultado de debates entre candidatos a partir da minha própria percepção. O debate da Bandeirantes, entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) não foge à regra. É possível fazer uma leitura racional dos debates a partir do conteúdo das respostas dos candidatos, mas existe fatores subjetivos que alteram completamente a percepção da imagem dos debatedores pelos eleitores. Tanto é assim que as pesquisas mostram uma divisão de opiniões sobre a atuação dos candidatos que mais ou menos gravita em torno dos índices de intenção de voto. Quando o resultado destoa muito, aí sim podemos afirmar que fulano ou beltrano venceu o debate. Mas não é o caso. Por isso, alguns acham que Lula se saiu bem, outros apontam Bolsonaro como vitorioso.
Como numa luta de boxe, num debate eleitoral todo mundo apanha. Alguém somente vence inequivocamente quando o adversário vai a nocaute. Quando isso não acontece, a decisão é por pontos, depende dos jurados, e nem sempre corresponde ao gosto do público.
No plano das subjetividades, diria que o Bolsonaro entrou no debate em desvantagem por causa do “pintou um clima” no caso das jovens refugiadas venezuelanas que visitou. O assunto virou meme petista nas redes sociais e deixou o presidente na berlinda durante o fim de semana. Entretanto, a decisão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, mandando tirar do ar a live do presidente que relatava o caso, por ter sido descontextualizada, resgatou Bolsonaro do canto do ringue. Foi como se o juiz interrompesse a luta por causa de um golpe sujo.
Na troca de socos, Lula manteve a ofensiva no caso da pandemia, responsabilizando o presidente pelas mortes que poderiam ter sido evitadas se o seu negacionismno não tivesse atrasado a compra das vacinas. Mas isso não foi suficiente para abater Bolsonaro, até porque sua falta de empatia com as vítimas também serve de couraça para que esse assunto não abata o seu ânimo.
Mesmo em desvantagem nas pesquisas de opinião, na campanha eleitoral, em nenhum momento, Bolsonaro se sentiu espiritualmente derrotado. Passou à ofensiva num tema em que o petista tem revelado muita dificuldade de se defender: o escândalo da Petrobras. Lula não respondeu à altura e ainda gastou o tempo que tinha desnecessariamente, deixando o presidente em grande vantagem ao final do bloco, porque falou por último, com tempo de sobra. Esses dois momentos influenciaram muito as opiniões dos analistas.
Mas como reagiram os eleitores? Quem tentou responder essa pergunta foi a AtlasIntel, empresa de pesquisas que se destacou por ter o melhor desempenho do primeiro turno. Usou um recurso que as campanhas utilizam para avaliar os debates: pesquisas qualitativas. A AtlasIntel ouviu 100 eleitores que não votaram em Lula ou Bolsonaro. A maioria (54%) considera que Lula ganhou o debate, 32% acham que foi Bolsonaro e 14% não souberam responder.
A maioria dos eleitores que votaram em Simone Tebet (60%), Ciro Gomes (60%), outros candidatos (50%), branco/nulo (57%) e também não votaram (57%), em nove grupos, concorda que Lula venceu o debate. Os grupos focais foram formados em Paraná/Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Tocantins, Bahia, Acre e Mato Grosso/Mato Grosso do Sul. Esse tipo de estudo, porém, não tem valor estatístico para avaliar a opinião da população. É um instrumento para avaliar tendências e informar análises, como essa aqui.
Rejeição
A disputa política do segundo turno está se dando em torno de quatro grandes temas: a situação da economia, os serviços prestados à população, a ética na política e a questão democrática. O debate não é programático, voltado para o futuro imediato e/ou o programa do novo governo. O debate está ancorado no passado, nos governos Lula e Dilma Rousseff e no primeiro mandato de Bolsonaro. Mira a rejeição dos candidatos, que manteve a polarização e certamente decidirá a eleição.
Lula cresce quando sai em defesa da democracia e das políticas públicas, principalmente na área social; Bolsonaro, quando ataca a corrupção nos governos petistas. Na questão econômica, o petista leva vantagem, mas não mais como no primeiro turno. Um tema subjacente, ora à questão democrática, ora às políticas públicas, é a pauta dos costumes, na qual Bolsonaro tenta surfar para neutralizar o fracasso administrativo do governo em área como a saúde e a educação. De outro lado, a mudança dos costumes serve de linha de resistência para os militantes das causas identitárias, que são pro-Lula.
Nos programas eleitorais, nas redes sociais e nos debates, esses são os eixos da disputa desde o primeiro turno. Em termos de intenções de votos, Lula se mantém na dianteira, mas Bolsonaro encurta a distância. Haverá tempo para uma virada? Uma projeção linear das pesquisas diz que não, mas as eleições são uma caixinha de surpresa e, na reta final da disputa, sempre pode haver alterações.
É aí que os dois outros debates programados, no SBT e na Globo, podem fazer a diferença. Nesse caso, será decisivo o fator subjetivo do desempenho pessoal dos candidatos e sua capacidade de emocionar os indecisos.
Mas quem perdeu com o debate? Todos que esperavam boas propostas para o futuro.