Nas entrelinhas: A sobrevivência da espécie

compartilhe

A corrupção será um dos temas centrais da campanha eleitoral: 62,3% dos entrevistados afirmaram que essa é a principal angústia em relação ao país

O gene egoísta, de Richard Dawkins (o autor de Deus, um delírio), é considerado o livro científico mais influente de todos os tempos, batendo, inclusive, sua fonte de inspiração, o seminal Origem das espécies, de Charles Darwin, segundo pesquisa da Royal Society, que comemorou 30 anos de sua premiação de livros em junho passado. Dawkins é considerado “reducionista” pelos cientistas criacionistas, mas sua tese faz sucesso entre os neodarwinistas: para ele, somos uma “máquina de sobrevivência” de um gene cujo objetivo é a autorreplicação, isto é, a perpetuação da espécie.

Analisando a reprodução sexuada dos animais, Dawkins busca uma explicação para a convivência entre o egoísmo dos genes e o altruísmo das espécies, que seriam uma espécie de “cluster” biológico que garantiria a sobrevivência e replicação de ambos. Para isso, tem papel decisivo a “meme”, conceito que ele utiliza para explicar como o gene transmite de uma geração para outra a memória ou o conhecimento nato de cada espécie, a começar pelo chamado instinto de sobrevivência.

Por exemplo, o cuco é uma das espécies mais egoístas que existem: procria, mas não educa os filhos; põe os ovos no ninho de outras aves, aproveitando sua ausência. Quando o danado do cuco nasce, joga os demais ovos fora do ninho, matando os filhotes legítimos para ser criado no lugar deles. Só mesmo a “meme” explicaria o fenômeno. O conceito é adotado por antropólogos no estudo das religiões e sociólogos no estudo de sistemas políticos, utilizando modelos matemáticos, para explicar certos comportamentos e a disseminação de ideias.

Ninguém sabe direito o que vai acontecer nas eleições de 2018, tamanho o desprestígio ou desconhecimento em relação aos partidos. Segundo as pesquisas, o eleitor “fulanizará” as eleições em todos os níveis e haverá um Deus nos acuda nos partidos. A tese de Dawkins se aplica, por analogia, aos nossos políticos e seus partidos. Na disputa eleitoral do próximo ano, os grandes partidos servirão de “arranjo institucional” para salvar seus líderes do desgaste da Operação Lava-Jato; os pequenos partidos, que estão condenados ao desaparecimento gradativo, servirão de salva-vidas para que seus lideres sobrevivam no Congresso. Os políticos se comportam naturalmente como genes egoístas. Raros são os líderes altruístas.

Descrença

Por que o Deus nos acuda? “A taxa de rejeição é grande, e a taxa de rotatividade deve ser imensa nessa eleição. Tudo aponta para uma eleição que vai ser um momento pivotal da política brasileira, como poucos nós tivemos”, comenta o diretor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Marco Aurélio Ruediger, que coordenou a pesquisa “O dilema do brasileiro: entre a descrença no presente e a esperança no futuro”.O descolamento da sociedade em relação ao Congresso Nacional e ao Executivo ficou patente no levantamento.

Entre as 1.568 pessoas entrevistadas, 83% afirmaram não confiar no presidente da República (o levantamento não cita Michel Temer); 79% disseram desconfiar dos políticos eleitos; e 78% reforçaram que não confiam nos partidos. Além disso, 47% afirmaram que o país estaria melhor sem as legendas. Segundo Marco Aurélio, a redemocratização do país (1989), a eleição do Fernando Henrique Cardoso (1994) e de Luiz Inácio Lula da Silva (2002) foram momentos semelhantes. “Então, 2018 está se armando como um grande palco no qual uma série de ajustes e contas para fechar vai ser resolvida. Ou seja, qual rumo o país vai ter? Qual configuração política vai liderar esse rumo? E qual a expectativa eu vou ter para o Brasil no futuro?”, indaga.

Na pesquisa, 55% dos ouvidos rejeitaram a possibilidade de escolher o mesmo candidato à Presidência em quem votaram nos pleitos anteriores. Os percentuais se mantêm no mesmo patamar para governador (53%), senador (52,4%) e deputado federal (51%). Será um tsunami eleitoral. Porém, a pesquisa confirma a tese de que a população tem antipatia pelo governo, mas não se dispõe a ir para a rua defender seu impeachment, porque acredita que pode resolver o problema pelo voto: 65% concordaram com a frase “mais importante do que protestar nas ruas é votar nas eleições”.

O levantamento indica que a corrupção será um dos temas centrais da campanha eleitoral: 62,3% dos entrevistados afirmaram que essa é a principal angústia em relação ao país. A população também tem uma percepção negativa sobre a economia, ainda que os índices demonstrem a queda da inflação, da taxa de juros e do desemprego.

Para 63,9% dos ouvidos, o pior momento da crise econômica ainda está por vir, embora nada indique que o país caminhe nesta direção. O percentual aumenta nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste. Ou seja, há um descolamento total entre os indicadores da economia e a percepção da população. O estudo foi realizado pelo Ibope, contratado pela FGV, entre 19 e 24 de agosto. O nível de confiança do levantamento é de 95%, com margem de erro de dois pontos percentuais.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

Posts recentes

Master, ameaça sistêmica à superestrutura financeira e jurídica do país

Ao entrar no coração de uma crise bancária ainda em investigação, o STF corre o…

1 dia atrás

Lula ganha de Motta presente de Natal de R$ 20 bi em aumento de receita

No fundo, a reaproximação é um pacto de sobrevivência para 2026. Motta precisa operar a…

3 dias atrás

De olho nas emendas parlamentares, Flávio Dino vira “caçador de jabutis”

Dino suspendeu os efeitos do dispositivo legal que exumava as emendas secretas. O dispositivo previa…

4 dias atrás

Orçamento sob medida para as eleições: R$ 61 bi em emendas parlamentares

Na prática, o que se vê é a substituição do planejamento público por uma lógica…

6 dias atrás

Supostos negócios de Lulinha com Careca do INSS são dor de cabeça para Lula

Estava tudo sob controle na CPMI, até aparecerem indícios de que Antônio Carlos Camilo Antunes,…

1 semana atrás