Nas entrelinhas: Sobre o mal e o bem

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Os partidos inviabilizaram a reforma eleitoral e agora estão enredados na Lava-Jato, porque os grandes financiadores de campanha operavam com recursos ilícitos

“Há uma coisa nova acontecendo no Brasil. Não é mais aceitável desviar dinheiro público, seja para o financiamento eleitoral ou para o próprio bolso”, anunciou o ministro Luís Roberto Barroso, no julgamento do Supremo Tribunal Federal que aceitou denúncia contra o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). “Assim como, historicamente, se tornou inaceitável descriminar negros, historicamente, se tornou inaceitável bater em mulher, dirigir embriagado, a nomeação de parentes para cargos públicos, acho que está em curso uma nova mudança de paradigma”, concluiu.

Esse entendimento está em linha com a introdução ao voto que proferiu no julgamento do mensalão, uma espécie de “abre alas que eu quero passar” no julgamento dos embargos de declaração da Ação Penal 470. Dizia Barroso: “A sociedade brasileira está exausta do modo como se faz política no país (…) Sintonizado com esse sentimento, o julgamento desta ação pelo Supremo Tribunal Federal, mais do que a condenação de pessoas, significou a condenação de um modelo político, aí incluídos o sistema eleitoral e o sistema partidário”.

Barroso elencou as características atuais do sistema político brasileiro: (1) o papel central do dinheiro, como consequência do custo astronômico das campanhas; (2) a irrelevância programática dos partidos, que serviriam apenas para viabilizar candidaturas e obter recursos do fundo partidário e tempo de televisão; e (3) um sistema eleitoral e partidário que dificulta a formação de maiorias políticas estáveis, impondo negociações caso a caso para cada votação importante no Congresso Nacional.

À época do julgamento do mensalão, uma campanha de deputado federal custava em torno de R$ 4 milhões e um parlamentar recebia em torno de R$ 20 mil. “Basta fazer a conta para descobrir onde está o problema. Com esses números, não há como a política viver, estritamente, sob o signo do interesse público”, disse Barroso, para quem a política havia se transformado em negócio, “uma busca voraz por recursos públicos e privados”, no qual proliferavam o financiamento eleitoral não contabilizado, as emendas orçamentárias para fins privados, a venda de facilidades legislativas.

E agora?
Quase três anos depois, a Operação Lava-Jato confirma que o modelo político brasileiro “produz uma ampla e quase inexorável criminalização da política”. Do banco da propina da Odebrecht ao pedágio cobrado das aposentadorias e créditos consignados. “Quem imaginava que os partidos políticos disputavam os cargos das estatais para fazer coisa boa? Essa indicação faz parte da rotina brasileira há muito tempo. E o propósito era esse mesmo, desviar recursos. É triste”, lamentava Barroso, na quarta-feira passada. Mas o que aconteceu entre o mensalão e a Operação Lava-Jato para mudar esse estado de coisas? Pouco, muito pouco. As intervenções do Supremo no processo foram erráticas e intempestivas, algumas protagonizadas por Barroso. Como não tem o poder de promover uma reforma política com começo, meio e fim, o STF “legisla” sobre matéria eleitoral e partidária quando é provocado por terceiros.

E, às vezes, a emenda é pior do que o soneto. Por exemplo, o STF barrou a cláusula de barreira, que limitaria o número de partidos, e acabou com doações eleitorais por pessoas jurídicas, mas permitiu que deputados que fundassem novos partidos carregassem consigo o tempo de televisão e os recursos do fundo partidário. As consequências práticas foram a proliferação de legendas de aluguel, com “rachid” dos recursos do fundo entre os deputados federais, e um buraco negro nas eleições municipais, no qual não existe paridade de armas entre quem tem mandato e quem não tem e quem é rico e quem não é, com a indução do uso da máquina pública e de caixa dois por prefeitos e vereadores.

A culpa é do Supremo? A rigor, não. A reforma partidária e eleitoral é uma atribuição do Congresso. Os grandes partidos, porém, inviabilizaram a reforma eleitoral e agora estão enredados na Lava-Jato, porque os grandes financiadores de campanha operavam com recursos provenientes do superfaturamento de obras e de serviços e de licitações mafiosas. As formas de financiamento das campanhas, principalmente majoritárias, foram: (1) caixa dois no exterior; (2) caixa dois no Brasil; (3) doações eleitorais fraudulentas; (4) e/ou doações eleitorais legais. Na maioria dos casos, o dinheiro era de procedência ilícita, ainda que alguns beneficiados não soubessem sua origem. Como separar alhos de bugalhos? Ou o Supremo destrincha isso ou vamos para o colapso político-institucional.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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