A saída de Moro da disputa pela Presidência reforçou a polarização Lula x Bolsonaro e pôs os partidos de centro em situação desesperada, em busca de um candidato que os unifique
Sérgio Cabral, pai (vascaíno), João Saldanha (botafoguense), Maurício Azedo (flamenguista) e Nelson Rodrigues (“pó de arroz”) foram grandes cronistas esportivos da imprensa carioca, todos torcedores apaixonados, com legiões de leitores, capazes de levantar o moral das torcidas dos respectivos clubes depois de um tremendo chocolate — escalpelando os técnicos dos times, é claro. Formados na escola de jornalismo de Samuel Wainer, a Última Hora, passaram pelos principais jornais do Rio de Janeiro. PS: Maurício era meu tio.
Os três primeiros eram amigos do peito, desde muito jovens, e comunistas de carteirinha, mas quase chegavam às vias de fato na Redação e no bar da esquina quando o assunto era futebol. Nelson Rodrigues, notável dramaturgo (Vestido de Noiva, Toda Nudez Será Castigada), era um reacionário empedernido, apologista do regime militar, que viria a apoiar a campanha da anistia após saber que o filho, Nelsinho, militante de ultra-esquerda, fora cruelmente torturado na prisão.
Sobrenatural de Almeida, um dos personagens criados por Nelson Rodrigues, era um fantasma que aparecia quando as coisas não iam bem para o Fluminense. Era o culpado por tudo o que acontecia de ruim em campo, ou seja, uma entidade mítica, à qual o cronista recorria para explicar o que acontecera em campo, sem encher a bola do adversário, é claro.
Mas havia outro personagem, um fantasma do bem, que aparecia nos estádios antes das vitórias do Fluminense: o Gravatinha. A escolha do nome tinha tudo a ver com a torcida “pó de arroz”, majoritariamente formada por torcedores de classe média carioca, com fama de ser elitista.
Todas as pesquisas de opinião estão mostrando que a saída do ex-ministro da Justiça Sergio Moro da disputa pela Presidência, ao migrar do Podemos para o União Brasil, pôs a chamada terceira via em situação desesperadora. Os votos do ex-juiz da Lava Jato derivaram sobretudo para o presidente Jair Bolsonaro, como, aliás, era de se esperar.
A desistência do ex-juiz da Lava Jato, na sua rocambolesca mudança de legenda, parece até coisa do Sobrenatural de Almeida. Agora, só o Gravatinha pode salvar a terceira via, que está sendo estrangulada pela polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que hoje estariam com as vagas no segundo turno garantidas.
Cenários
Há duas leituras possíveis para as articulações em torno de uma candidatura única de terceira via. A pessimista é ˜não há mais espaço para a terceira via”. A otimista avalia que a desistência de Moro é benéfica, assim como foram a de Alessandro Vieira, que trocou o Cidadania pelo PSDB, e a do ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta (União Brasil). Restaram três nomes, o ex-governador paulista João Doria (PSDB), apoiado pelo Cidadania; Simone Tebet, do MDB; e o “candidato fantasma”, o ex-governador gaúcho Eduardo Leite, representante de uma espécie de PSDdoB, que aguarda Doria desistir ou ser defenestrado pelos aliados. Quem seria o Gravatinha? O ex-governador cearense Ciro Gomes (PDT), embora seja o nome mais forte para romper a polarização, não é levado em conta pelos partidos da chamada terceira via. Nem está querendo isso.
Como não se tem uma resposta para a pergunta, melhor contextualizar a situação. O pacote de bondades do governo alavanca a reeleição de Bolsonaro: vem aí um programa de ajuda para “catadores” e “sem teto”, mobilizando os meios empresariais. Sim, Bolsonaro tem forte apoio entre os agentes econômicos, apesar do desemprego, do baixo crescimento e da alta da inflação. O “status quo” pós-pandemia deixa para trás o desgaste do seu negacionismo. Os agentes econômicos preocupados com a questão ambiental e os riscos que Bolsonaro possa representar à democracia são minoria; tem muita gente ganhando dinheiro com privilégios e benesses do governo. O bicho papão da economia agora é a Petrobras; as estatais viraram um “estorvo” socialista.
A outra face dessa moeda é o discurso de um Lula recidivo, classista, desenvolvimentista e identitário, que produziu, no começo da semana, polêmicas sobre o aborto, a reforma trabalhista e a índole “escravocrata” de nossas elites, que viraram arroz de festa nas redes sociais bolsonaristas. O grande gesto de Lula em direção ao chamado centro político, até agora, foi a escolha do ex-governador tucano Geraldo Alckmin, que se filiou ao PSB, como vice na sua chapa. Seu objetivo foi esvaziar a terceira via, reforçar a polarização e atrair, por gravidade, os eleitores de centro. Seria bom combinar com o Sobrenatural de Almeida. E se ele aparecer e esses eleitores migrarem para Bolsonaro outra vez?
O presidente brasileiro defendeu a taxação de operações financeiras de super-ricos, para financiar o combate…