Nas entrelinhas: Segundo turno entre Lula e Bolsonaro não é nova eleição

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Lula perdeu posições e Bolsonaro avançou. Mais do que frustrar a expectativa de vitória, o resultado de domingo embalou a campanha do segundo colocado e gerou perplexidade na do primeiro

É um lugar comum nas campanhas eleitorais, principalmente de parte de quem está perdendo, a tese de que o segundo turno é uma nova eleição. Há controvérsias. As forças em movimento são as mesmas, porém, os dois primeiros colocados operam forte atração sobre as demais, por expectativa de poder, motivação ideológica e/ou emocional. Isso provoca o realinhamento eleitoral, cuja resultante será a formação de uma maioria de votos válidos, que garante a consagração inequívoca do presidente eleito.

A eventual mudança de posição entre os dois candidatos é resultado da inércia da primeira votação e da eventualidade de o líder não se dar conta de que a sua estratégia está sendo superada pelo segundo colocado. Estamos falando do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do presidente Jair Bolsonaro (PL), obviamente. O que ocorreu na reta final do primeiro turno, por isso, gera uma força de inércia que pode resultar numa troca de posições.

Na última semana da eleição, Lula perdeu posições e Bolsonaro avançou. Mais do que frustrar a expectativa petista de vitória no primeiro turno, o resultado da votação de domingo embalou a campanha de Bolsonaro e gerou perplexidade na campanha de Lula, ainda que ninguém queira passar recibo do que aconteceu. Com 96,93% das urnas apuradas, Bolsonaro recebeu 43,70% dos votos válidos, enquanto o Lula teve 47,85% dos sufrágios. Os candidatos Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT) obtiveram, respectivamente, 4,22% e 3,06% dos votos válidos.

Um bom exemplo dessa expectativa é a fotografia da manifestação petista na Avenida Paulista, no dia da eleição, com Lula ao lado da esposa Janja; da ex-presidente Dilma Rousseff; da presidente do PT, Gleisi Hoffman; do ex-senador Aloizio Mercadante e do seu vice, Geraldo Alckmin, quase um estranho no ninho. Era uma espécie de “Lula é meu e ninguém tasca”, armado na expectativa de que a eleição estava decidida. Entretanto, o resultado do primeiro turno exigia que o palanque fosse muito mais amplo.

Lembrei-me de certa passagem do romance Vida e Destino (Alfaguara), do escritor judeu ucraniano Vassili Grosman, que foi correspondente de guerra na Batalha de Stalingrado, na Segunda Guerra Mundial. A publicação do livro esteve proibida durante muito tempo e seu autor chegou a ser preso por causa dele. Grossman relata a experiência de guerra, os absurdos de seus efeitos sobre a vida das pessoas, com toda a inversão de valores que acarretou. Realista, mostra os bastidores da batalha no partidos e na antiga sociedade soviética. É uma descrição impressionante de como a resistência ao invasor alemão se transformou numa guerra patriótica, na qual o protagonismo popular foi decisivo na frente de batalha. Mas também desnuda o comportamento do aparelho partidário, que se recolhe à retaguarda e, no momento de virada da guerra, opera para colher os louros da vitória.

O palanque de Lula no domingo refletiu uma falsa expectativa, na qual não se levou em conta que a onda do voto útil havia se esgotado e fora protagonizada por formadores de opinião que já estavam no campo da esquerda. O alarido e a agressividade da campanha, porém, provocaram o voto útil reverso dos eleitores anti-petistas, que não desejavam votar em Bolsonaro, mas o preferem em relação a Lula.

É aí que mora o perigo de virada eleitoral logo no começo do segundo turno, porque a inércia desse movimento silencioso pode não ter se esgotado no dia da votação.

Alianças

O PT se movimenta em direção ao centro com dificuldades. Lula recebeu o apoio do PDT, com a aquiescência de Ciro Gomes, e do Cidadania, liderado por Roberto Freire, ambos duros desafetos, que ontem anunciaram formalmente o apoio a Lula no segundo turno. Esses apoios decorrem de um claro posicionamento contra Bolsonaro e não de uma negociação de ambos com o petista.

Lula espera obter o apoio de Simone Tebet, a candidata do MDB, com quem deve se encontrar para tratar dos termos do apoio. No dia da eleição, a senadora anunciou que não iria se omitir e aguardava um posicionamento firme do partido.

O deputado Baleia Rossi (SP), o presidente da legenda, que bancou sua candidatura, porém, deve anunciar a neutralidade do MDB. Houve uma forte mudança na composição da bancada, que passou a contar com maior participação de parlamentares bolsonaristas eleitos no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, em contraponto aos representantes do Norte e Nordeste, aliados de primeira hora de Lula.

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), no domingo anunciou seu apoio a Bolsonaro, que ontem recebeu a adesão do governador de Minas, Romeu Zema (Novo), que o visitou no Alvorada. Ele ficou neutro no primeiro turno, apesar de Lula apoiar o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD).

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), no domingo anunciou seu apoio a Bolsonaro, que ontem recebeu a adesão do governador de Minas, Romeu Zema (Novo), que o visitou no Alvorada. Ele ficou neutro no primeiro turno, apesar de Lula apoiar o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD).

O governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, que ficou fora do segundo turno, fechou o cerco ao anunciar, ontem, o apoio a Bolsonaro. O PSDB paulista apoiará Tarcísio de Freitas (Republicanos), candidato do presidente em São Paulo, mesmo tendo ele declarado que não deseja o apoio de Garcia. A. bancada do Cidadania, liderada pelo deputado paulista Alex Manente, que apoiará Tarcísio, anunciou neutralidade, contrariando a Executiva do partido.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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