Nas Entrelinhas: Rumos na economia opõem Haddad e Campos Neto

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Ministro da Fazenda conquistou a confiança do mercado, tem mais prestígio do que o presidente do Banco Central, que será carbonizado se não baixar a taxa de juros, em 13,75%

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, voltou a criticar a taxa de juros praticada pelo Banco Central, que está em 13,75%. A queda de 2% na atividade econômica em maio, medida pelo Índice de Atividade Econômica (IBC-Br) do BC, confirmou as previsões da equipe econômica e tende a politizar a discussão.

A queda do PIB já promove nova fricção entre o governo e o presidente do BC, Roberto Campos Neto. “Prévia” do Produto Interno Bruto (PIB), o índice indica a evolução da economia brasileira, mês a mês. O debate sobre a taxa de juros será a “flor do recesso” do Congresso, porque o Comitê de Política Monetária do BC, composto pelo presidente e pela diretoria da instituição, somente se reunirá em agosto.

Para reduzir a inflação ao centro da meta, com amplo apoio do mercado, neste semestre, Campos Neto manteve o arrocho no crédito, mas o remédio virou veneno. O PIB cresceu 2,9% em relação a 2021. Seria muito maior sem o crescimento negativo trimestre. Há expectativa de que os juros sejam reduzidos, em razão da ata da última reunião do Copom.

A posse de dois novos diretores do BC, o funcionário de carreira Aílton Aquino e o ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, levará o debate para dentro do banco. Haddad e Campos agora estão em rota de colisão, embora mantenham uma relacionamento politicamente elegante.

Ninguém se surpreenda, também, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deve chutar o balde ao voltar de Bruxelas. A queda na produção de 2%, considerada muito alta, estava escrita nas estrelas. A Selic — a taxa de juros básica que norteia toda economia — começou 2022 num patamar razoável, mas ao longo dos meses foi subindo e chegou ao ápice depois das eleições, apesar das críticas de Lula. O BC é independente, o governo não pode interferir na política monetária, mas ela precisa estar alinhada à política econômica e fiscal para o país dar certo.

O fato é que Haddad fez o dever de casa. Articulou a aprovação do novo arcabouço fiscal e da reforma tributária na Câmara. Em agosto, o Senado também fará sua parte. A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, ex-senadora pelo MDB, assumiu a liderança das negociações com os ex-colegas.

O BC impõe uma taxa alta de juros quando teme que possa haver inflação, mas acontece que os reajustes estão se dando pela inflação passada e não a futura, ou seja, tende a cair mais. O que pode pôr tudo a perder é não afrouxar a política monetária.

O impacto negativo no programa Desenrola, lançado ontem, para beneficiar até 35 milhões de inadimplentes neste ano, por exemplo, será inevitável, se não houver redução forte da Selic.

Campos Neto é um economista liberal ortodoxo, ligado ao ex-ministro da Fazenda Paulo Guedes, que segue o receituário de que a recessão é o melhor remédio para controlar a inflação. Defende a elevação dos juros para reduzir o consumo, porque assim as pessoas evitam fazer empréstimos. Isso inibe o consumo e, com menor procura por bens, os preços tendem a cair, com a consequente redução do crescimento econômico.

Acontece que os investimentos se retraem e os produtores passam aplicar os recursos nos títulos do governo, trocando a produção de bens pelo ganho financeiro imediato. Vira um círculo vicioso.

Fogueira acesa

Essa doutrina vem sendo questionada desde 2008, quando houve a crise financeira mundial. Muitos países têm inflação maior do que a do Brasil e praticam taxas de juros menores. O argumento do BC para isso é o deficit público, ou seja, que o governo arrecada menos do que gasta. Em em 2022, o deficit nominal foi de 4,7% do PIB: um rombo R$ 460 bilhões.

Mas o grande vilão são juros dos títulos públicos, que chegam a custar R$ 594 bilhões para o governo. Se os juros caírem, o deficit também diminui. Para se ter uma ideia do que isso significa, o programa Bolsa Família custará R$ 151 bilhões em 2023, para atender 84 milhões de brasileiros em condições de vulnerabilidade — ou seja, quase 40% da população.

Em compensação, mantidos a atual taxa de juros e o nível de endividamento do país, o custo dos títulos chegará a R$ 700 bilhões. Apenas 5% dos brasileiros, que têm alguma aplicação financeira, são beneficiados.

O desalinhamento entre a política econômica e a política monetária reacenderá a fritura de Campos Neto, o segundo homem mais importante na economia brasileira. Houve um inversão de situação: por seu desempenho à frente da Fazenda, Haddad conquistou a confiança do mercado, hoje tem mais prestígio do que o do presidente do BC. Se não baixar os juros, Campos Neto será carbonizado pelos políticos. Embora não possa ser demitido por Lula, pode ser afastado pelo Senado.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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