Nas entrelinhas: Ruim com ele, pior sem ele

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Cedo ou tarde, porém, terá que haver uma “concertação política” no âmbito do Congresso

A fleuma do presidente Michel Temer, num momento em que os políticos estão à beira de um ataque de nervos, inclusive alguns ex-presidentes da República, talvez seja a sua maior virtude em meio à crise ética que atravessa o país. Está convencido de que sua missão é aprovar as reformas da Previdência e trabalhista, ainda neste ano, e uma simplificação tributária que ponha a economia nos trilhos, além de garantir a governabilidade do país. Temer assimilou a própria impopularidade, uma herança do governo Dilma, e dá mais importância à manutenção da ampla base parlamentar que lhe garante sustentação política, além de uma boa relação com o Judiciário, do que à conquista anabolizada de apoio popular.

O presidente trata a Operação Lava-Jato como uma contingência adversa, com a qual precisa conviver da melhor forma possível, ou seja, cuidando para que o governo funcione em meio aos raios e trovoadas, como um timoneiro amarrado ao leme do barco em plena  borrasca. É a melhor imagem de sua resiliência para enfrentar a crise ética. Além do anteparo constitucional — como todos os antecessores, não pode ser investigado por fatos anteriores ao exercício do mandato —, confia no casco e arvoredo da embarcação para chegar ao porto seguro, em 2018.

Faz sentido: para gregos e baianos, mesmo aqueles que gritam “Fora, Temer!” e “Diretas Já”, a verdade nua e crua é que o país ingressou num mar proceloso, no qual é melhor manter a caravela em capa do que lançar ao mar pequenos botes salva-vidas.

É famosa a comparação da política com as nuvens, que mudam de forma cada vez que você olha para elas, cuja autoria é atribuída ao ex-governador mineiro Magalhães Pinto, que não era nenhuma raposa pessedista. Era cacique da UDN. É mais ou menos o que começa a acontecer por causa da Operação Lava-Jato no Congresso.

O melhor sintoma de que alguma coisa começa a ocorrer no ambiente político é a conversa “politicamente incorreta” no Piantella entre o presidente do PSDB, Aécio Neves (MG), e o deputado Chico Alencar (PSol), que chegaram ao consenso, mantendo as velhas divergências, de que é preciso uma saída política para a crise que passe pelo Congresso, sem afrontar o Judiciário. Mediadores de conflitos chamam a isso de concordância secundária. No caso, porém, trata-se de uma convergência essencial. Chico fez autocrítica pressionado pelas bases de seu partido, mas houve mais sinceridade sua na conversa com o adversário cordial.

Veterano observador da cena política, o sociólogo Luiz Werneck Vianna, na semana passada, fez um artigo dos mais argutos sobre os sinais de mudança de clima em meio à radicalização do debate entre coxinhas e mortadelas nas redes sociais. Destacou a entrevista do senador Humberto Costa (PT-PE) publicada nas páginas amarelas da Veja. Ambos têm antigas raízes políticas no antigo Partidão. “Hoje, o imobilismo imperante na reflexão sobre a política entre os quadros dirigentes do PT, boa parte deles prisioneiros do slogan vazio do ‘fora Temer’, começa a ser contestado, tal como na importante entrevista do senador petista (…)”

Para Werneck, “a reanimação do campo reflexivo entre os intelectuais e políticos é também animadora na comunidade dos economistas, envolvida na controvérsia suscitada por um dos seus notáveis, André Lara Resende, sobre as complexas relações entre políticas fiscais e inflação, em que um dos temas de fundo versa sobre o papel maior ou menor do Estado na economia, uma questão ainda em aberto não apenas entre os especialistas”. O sociólogo aposta na unidade dos contrários, uma velha lei da dialética, para manter a estabilidade do quadro institucional em meio ao caos político: “Enquanto esses movimentos não ganham maior vigor, o que importa é manter os antagonismos em equilíbrio”.

Sinais contraditórios
Os sinais subterrâneos de que o equilíbrio existe vêm dos mais diversos atores, seja a nota de Fernando Henrique Cardoso em defesa de Aécio Neves ou a arriscada visita de Temer e seus ministros ao Hospital Sírio-Libanês, quando dona Marisa Letícia estava em coma. A propósito, Lula manda sinais contraditórios: ao mesmo tempo em que se dispõe a conversar com ambos, antecipa a própria candidatura como uma espécie de escudo contra a Operação Lava-Jato.

Cedo ou tarde, porém, terá que haver uma “concertação” política no âmbito do Congresso, porque tanto a situação quanto a oposição correm o risco de serem tragadas pelas urnas por novos atores políticos. As eleições municipais passadas foram um sinal de alerta de que a sobrevivência eleitoral está ameaçada para os “malvados” e “bonzinhos”. No diálogo de Aécio e Alencar, ambos reivindicam o papel de mocinhos, mas nada acontecerá na Câmara ou no Senado se não houver certo nível de acordo com os “bandidos”. Será assim em relação à reforma política, principalmente quanto ao financiamento eleitoral e ao regime partidário, que está sendo implodido pela Lava-Jato.

Presidente da Câmara por três mandatos e maior equilibrista da história do PMDB, Temer espera a tempestade passar para corrigir o curso forçado de quem tem uma só opção: salvar o barco. O balanço de perdas e danos dirá o número de mortos e feridos e o rumo a tomar em 2018. Isso vale para todos os embarcados. Até lá, Temer espera aprovar as reformas e passar à História como um presidente que salvou o país da desordem social e da ruptura institucional. Pode não conseguir, mas será muito pior se isso não acontecer.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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