Nas entrelinhas: Rio de São Sebastião crivado de balas na estação derradeira

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A Cidade Maravilhosa exporta o modelo de territorialização de traficantes e milicianos para outros estados. A sociedade sofre com a violência

A morte de três médicos ortopedistas, assassinados a tiros na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, na madrugada desta quinta-feira, recolocou a questão da segurança pública naquele estado no centro das prioridades políticas do país. A execução, que durou menos de um minuto, ocorreu na Avenida Lúcio Costa, o grande calçadão à beira-mar do bairro preferido da classe média emergente e dos novos ricos do Rio.

Marcos de Andrade Corsato, de 62 anos, e Perseu Ribeiro de Almeida, 33, morreram no local. Diego Ralf Bomfim, 35, foi socorrido e enviado ao hospital, mas não sobreviveu. Irmão da deputada federal Sâmia Bomfim (PSol-SP) e cunhado do também deputado federal Glauber Braga (PSol-RJ), o assassinato dele deu mais repercussão política ao crime, porque os dois parlamentares já foram ameaçados de morte. Daniel Sonnewend Proença é o único sobrevivente.

O Rio de Janeiro exporta o modelo de territorialização para exploração de negócios mafiosos, além do tráfico de drogas, para outros estados. Toda a sociedade sofre suas consequências, mas também não se deu conta de que é preciso mudar radicalmente a forma de combatê-lo. A violência policial não resolve o problema. A territorialização do crime organizado, que controla grandes áreas da cidade, entre as quais a Barra da Tijuca, passou para uma fase em que não há mais fronteiras físicas.

O caso Marielle Franco, assassinada pelo chamado Escritório do Crime, que teve muita repercussão e ainda não foi elucidado, não provocou nenhuma mudança estrutural na forma como a segurança pública lida com o crime organizado e as áreas sob seu controle no Rio. A única tentativa de combater a territorialização ocorreu durante o governo Sérgio Cabral, mas fracassou por causa do caso Amarildo e dos escândalos de corrupção que levaram à prisão do ex-governador fluminense.

O ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, em 14 de julho de 2013, foi sequestrado e morto por 12 policiais militares da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha, na Zona Sul do Rio. O corpo nunca foi localizado, mas todos foram condenados, inclusive o major da PM Edson Raimundo dos Santos, a 13 anos e sete meses de prisão, por ser considerado autor intelectual do crime. Era o comandante da UPP da Rocinha desde a sua inauguração.

Naturalização

Jogou-se fora a experiência de ocupação dos territórios antes controlados pelo tráfico, com a água suja da bacia; esse espaço vem sendo ocupado pelas milícias, que praticam os mesmos crimes, em conluio com a banda podre da polícia. Exploram-se o bujão de gás, as vans, os motoboys, o comércio local, o “gatonet”, a distribuição de água e a energia solar. É uma economia paralela controlada por organizações criminosas.

“Rio de ladeiras/ Civilização encruzilhada/ Cada ribanceira é uma nação/ À sua maneira/ Com ladrão/ Lavadeiras, honra, tradição/ Fronteiras, munição pesada/ São Sebastião crivado/ Nublai minha visão/ Na noite da grande/ Fogueira desvairada”, a bela canção Estação derradeira, de Chico Buarque, traduz a naturalização da violência e a ocupação de territórios pelo crime organizado no Rio de Janeiro.

Não faltam estudos sociológicos e criminológicos sobre o problema. Desde os anos 1980, o fenômeno é estudado. No plano internacional, o poder das empresas da economia ilícita dedicada à produção e distribuição de drogas, conhecidas como cartéis, ganhou proporções gigantescas. No plano nacional, a venda de drogas no varejo era a principal fonte de renda das organizações criminais locais, que agora expandem seus negócios para controlar a produção e as rotas de distribuição de drogas no Norte e Nordeste, além de fronteiras, portos e aeroportos do Sul, Centro-Oeste e Sudeste.

Comando Vermelho (CV) e Terceiro Comando, no Rio, e Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo, hoje são organizações com múltiplos negócios, da venda de combustível no ABC a garimpos ilegais na Amazônia. Com o crescimento dos negócios, as disputas por território e a concorrência da milícia, quase sempre associada à polícia, se tornaram mais frequentes e violentas.

Às vezes, as forças policiais entram em ação quando os milicianos estão em apuros na guerra com o tráfico de drogas, como vem acontecendo na Baixada Fluminense. O poder do crime organizado nas favelas e periferias das grandes cidades também se tornou uma força política. Seções eleitorais inteiras são controladas por traficantes e milicianos, que passaram a ter influência decisiva na eleição de vereadores, prefeitos e deputados.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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