A proposta do presidente do Senado revoga a legislação vigente e estabelece novas punições a juízes e procuradores, entre outras autoridades
O presidente do Senado, Renan Calheiros, queria encerrar o mandato à frente da Casa comemorando a aprovação da nova lei de abuso de autoridade. “Vou trabalhar para que ela seja aprovada. Vocês tenham certeza que, se não for aprovada, não foi porque o Renan deixou de trabalhar”, disse ontem, antes de iniciar a sessão na qual pretendia submeter o relatório do senador Roberto Requião (PMDB-PR) à votação. Na véspera, num discurso que teve muita repercussão no Palácio do Planalto, o senador Jader Barbalho (PMDB-PA), uma eminência parda nos bastidores da Câmara, fez uma defesa veemente do governo Temer, denunciou o vazamento de delações premiadas e insuflou os colegas contra o Ministério Público Federal e a mídia.
A proposta apresentada pelo presidente do Senado estabelece novas punições a juízes e procuradores, entre outras autoridades. O projeto é repudiado por setores do Judiciário e do Ministério Público, que acusam Renan de retaliação, em razão de investigações que envolvem políticos, principalmente a Operação Lava Jato. “No que depender de mim, vamos votá-la, sim. Esta lei é muito importante para o Brasil. Estamos convivendo a cada dia com mais abusos e é importante que tenhamos uma lei para conter este excesso”, justificou o presidente do Senado, que entra em quase todas as listas das delações premiadas vazadas até agora, a última do ex-vice-presidente de Relações Institucionais da Odebrecht Cláudio Melo Filho.
O vazamento da delação premiada do executivo havia posto pilha na articulação de Renan para aprovar a lei de abuso de autoridade. Renan trava também uma batalha pessoal com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que o denunciou na segunda-feira passada num dos inquéritos da Operação Lava-Jato. A proposta de Renan não é, porém, um gesto isolado: um dos autores da proposta seria o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim. A iniciativa também contaria com o apoio do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes. Renan é uma águia política, viveu intensamente os bastidores do poder desde a eleição de Collor de Mello, em 1989. Sua sobrevivência política sempre esteve associada à capacidade de perceber as mudanças e se posicionar estrategicamente. Mas nunca houve uma situação tão difícil.
Um despacho do relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Teori Zavascki, ontem, ao cobrar de Rodrigo Janot as conclusões do inquérito da Polícia Federal que investiga Renan, de certa forma favorecia as articulações dele. O Ministério Público fez a denúncia sem que as investigações da PF tivessem sido concluídas, o que causou o estranhamento de Teori. Janot argumentou que o Ministério Público já dispõe de provas suficientes para denunciar o peemedebista, mesmo antes de o inquérito ser encerrado. Deixou a guarda aberta para Renan acusá-lo de perseguição política e reabrir a guerra no Senado contra o abuso de autoridade, leia-se, a Operação Lava-Jato. Ao contrário de outras batalhas, nas quais saiu vencedor, Renan não tem a menor chance de ganhar essa guerra. Ontem, ao tentar votar a proposta em plenário, mais uma vez foi obrigado a recuar, para não perder a votação.
Primeira baixa
O pedido de demissão do assessor especial da Presidência da República José Yunes, citado por um dos delatores da Operação Lava-Jato, foi a primeira baixa no Palácio do Planalto em razão da delação premiada de Cláudio Melo Filho. Yunes trabalhava diretamente com o presidente Michel Temer, de quem se diz amigo há mais de 50 anos, ou seja, desde os tempos de estudante de direito. Foi acusado de supostamente receber R$ 4 milhões em seu escritório, na capital paulista, dinheiro destinado ao atual chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha. Melo contou aos procuradores da República que o repasse era parte de R$ 10 milhões solicitados por Temer ao então presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, em um jantar no Palácio do Jaburu, residência oficial da Vice-Presidência. Yunes e Padilha negam o fato.
A versão oficial é que Yunes entendeu que ajudaria mais o governo pedindo para sair. Teria sido uma decisão pessoal. Sua saída, porém, provocou fortes especulações de que Padilha também sairia, o que foi desmentido pelo Palácio do Planalto. Há duas interpretações para o gesto: a primeira, de que seria uma maneira de preservar o presidente Temer do desgaste de ter um assessor direto envolvido na Lava-Jato; a segunda, de que seria um recado para que outros ministros envolvidos seguissem o gesto.
O Palácio do Planalto busca a melhor maneira de sobreviver à Operação Lava-Jato. A aprovação da PEC do teto dos gastos mostrou que a base no Congresso está sob controle. O grande, problema, porém, é a recessão. Ontem, no gabinete do senador Tasso Jereissati, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, se reuniu com senadores do PSDB, PTB e PPS para expor as propostas do governo que serão anunciadas hoje com objetivo de estimular a economia. Meirelles estava sofrendo um ataque especulativo dos tucanos.