Não há a menor chance de o Brasil sair da esfera de influência do Ocidente, porque o “americanismo” está incorporado ao modo de vida dos brasileiros
O encontro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o presidente da China, Xi Jinping, teve mais repercussão na mídia norte-americana do que sua reunião com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Talvez o discurso do ex-presidente Donald Trump acusando o democrata de perder a Rússia, o Brasil, a Colômbia e toda a América Latina para a China tenha esquentado o noticiário. O fato é que o Brasil voltou à cena internacional para a opinião pública do Ocidente, ainda que muitos considerem essa agressiva projeção de poder de Lula desnecessária e desprovida de sustentação econômica e política.
No Brasil, a aproximação com a China está sendo interpretada como uma deriva do governo Lula em direção às ditaduras, numa projeção das relações com a Venezuela, Nicarágua e Cuba ao Oriente. Lula também está sendo acusado de fazer o jogo do presidente da Rússia, Vladimir Putin, ao propor um acordo de paz com a Ucrânia em que a desocupação da região do Dombass pelas tropas russas teria como contrapartida a entrega da Crimeia, também ocupada pela Rússia. A viagem de Lula virou um prato cheio para a oposição bolsonarista e sua narrativa anticomunista, que agora encontra eco em setores que desejam ressuscitar a chamada “terceira via”.
Mas o fato é que a política externa brasileira voltou à pauta dos jornais como polêmica. Não é a primeira vez. Entre a Revolução de 1930 e o fim da II Guerra Mundial, em 1945, a ditadura de Getulio Vargas flertou com a Alemanha nazista. Entretanto, o poder de barganha do Brasil na disputa entre EUA e Alemanha pelo mercado brasileiro era muito restrito, devido à dependência da nossa economia primário-exportadora. O poder econômico e militar dos EUA eram tão superiores que Vargas não tinha tanta autonomia para negociar vantagens comerciais com a potência norte-americana.
O capital alemão no Brasil era importante até o começo da guerra (1939), mas nunca houve de fato a possibilidade de o Brasil romper com os Estados Unidos e ingressar no Eixo Alemanha, Itália e Japão. Um grupo liderado pelos generais Eurico Gaspar Dutra e Góes Monteiro realmente via na Alemanha um importante parceiro comercial e militar, em oposição ao chanceler Oswaldo Aranha e o almirante Amaral Peixoto. Liderados por eles, germanófilos e americanófilos, como eram chamados, se digladiavam nos bastidores do Palácio do Catete.
Aranha e Amaral eram admiradores da sociedade norte-americana e percebiam que o Brasil, ao se aliar com os EUA, teria muito mais a ganhar do que com Alemanha. Os militares, por sua vez, nunca quiseram um alinhamento total com Berlim, embora admirassem a máquina de guerra alemã e adotassem ideias fascistas. Dutra e Monteiro não temiam a americanização do Brasil, tinham medo mesmo era de um ataque alemão, porque as nossas Forças Armadas estavam sucateadas.
Americanismo
O Brasil, por ordem geográfica e histórica, estava na esfera de influência dos Estados Unidos, país que emergira como grande potência mundial após a Grande Guerra de 1914-1918. Nossa economia se tornara mais dependente dos Estados Unidos. Entretanto, o principal trunfo americano era a sua cultura, utilizada como “soft power” para ampliar sua influência na América Latina, principalmente no Brasil. O carro-chefe foi o cinema, que formava opinião e revolucionava os costumes.
Houve outros momentos polêmicos na política externa brasileira. Um dos mais significativos foi o fascínio de Jânio Quadros pelo guerrilheiro Che Guevara, um dos líderes da Revolução Cubana e seu primeiro chanceler, que visitou o Brasil, em 1961. Esse encontro empurrou para a oposição o governador da antiga Guanabara, Carlos Lacerda, feroz anticomunista, e foi uma das causas da renúncia do então presidente da República. Outro, a aproximação do presidente João Goulart, que o sucedeu, com a China e a antiga União Soviética, cujo ponto alto foi a visita do astronauta Iuri Gagarin e a Exposição Soviética no Campo de São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Mas a maior ruptura ocorreu em 1975, durante o governo do general Ernesto Geisel, que adotou uma política externa independente, foi o primeiro a reconhecer a independência de Angola, rompeu o acordo militar com os EUA e assinou um acordo nuclear com a Alemanha.
A aproximação com a China não é uma ameaça aos Estados Unidos, mas provoca tensões. A tese da “desdolarização” do nosso comércio com a China sinaliza o enfraquecimento do dólar, mas não o fim de sua hegemonia. O acordo científico e tecnológico na área aeroespacial, por causa da estratégica base de Alcântara, não é visto com bons olhos, nem o acesso da China aos semicondutores que o Brasil pretende produzir para fornecer aos Estados Unidos. Não há a menor chance de o Brasil sair da esfera de influência do Ocidente, porque o “americanismo” está incorporado ao modo de vida dos brasileiros e a alternativa à democracia no Brasil não é o comunismo, mas o “iliberalismo” de Bolsonaro.