Nas entrelinhas — Reforma tributária é vitória estratégica de Lula

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Além do ganho de produtividade e de qualidade do financiamento da máquina pública, a reforma dará mais segurança jurídica aos negócios e investimentos

Há 30 anos em discussão no Brasil, a reforma tributária (PEC 45/2019) foi aprovada na sexta-feira com o plenário praticamente vazio, mas com 510 deputados presentes, a maioria remotamente, por 365 votos a favor e 118 contrários, além de uma abstenção. Na primeira rodada de apreciação, o placar foi de 371 a 121, com três abstenções. Agora, será promulgada pelo presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), depois de muita negociação com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e os relatores das duas casas legislativas, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) e o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), em razão das mudanças feitas pelo Senado.

A reforma é uma vitória estratégica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estabeleceu a mudança da estrutura tributária como prioridade de seu primeiro ano de governo, e fortalece o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que a negociou exaustivamente com deputados e senadores. Seu principal artífice foi o economista Bernard Appy, secretário extraordinário da Reforma Tributária de Haddad, que enfrentou forte contestação do ex-secretário de Receita do governo Fernando Henrique Cardoso Everardo Maciel, muito respeitado como tributarista. No Congresso, o deputado Luís Carlos Hauly (Podemos-PR), batalhou pela reforma por sete mandatos e participou de todos os debates sobre o tema, com a experiência de ex-prefeito e ex-secretário estadual de Fazenda no Paraná.

O novo sistema tributário transforma cinco tributos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) no Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) vai substituir os tributos estadual e municipal e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) ficará em lugar dos tributos federais. O texto estipula a alíquota padrão a ser paga na maioria dos produtos. Haverá uma alíquota reduzida, de 30%, 60% ou 70% para produtos ou serviços considerados exceção nos debates da Câmara. A PEC criou, ainda, o Imposto Seletivo (IS), para sobretaxar produtos que façam mal à saúde.

Desde o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), discutia-se a substituição do imposto sobre circulação de mercadorias (ICMS), recolhido na fonte, em exceção dos combustíveis, e outros tributos, pelo imposto sobre valor agregado (IVA), que será arrecadado no destino, o coração da reforma tributária. A grande dificuldade era refazer o pacto federativo. A Constituição de 1988 manteve o sistema tributário vigente desde a década de 1960 e as alterações que fez só foram possíveis porque havia moedas de troca para atender as diversas regiões do país, como a Sudene e a Sudan, o extinto Fundap, no Espírito Santo, a Zona Franca de Manaus e diversos subsídios. Para ser aprovada agora, não foi muito diferente, foram feitas muitas concessões, que podem reduzir seu impacto imediato, mas não alteram a essência da mudança.

Inovação e transição

A forma como foi aprovada, por votação remota, traduz a marca da reforma: a inovação. Muitas pessoas associam a inovação ao uso intensivo de tecnologia, mas ela é muito mais que isso. A diferença entre uma ideia, invenção e inovação está no retorno financeiro que a inovação deve trazer para as empresas, seja aumento de faturamento; redução de custos; aperfeiçoamento em processos, produtos e serviços; acesso a novos mercados; mudanças no modelo de negócio; melhorias nas condições de trabalho e no engajamento dos colaboradores de uma organização; entre outros.

Esse é o maior impacto que a reforma tributária deve ter na economia, não é a capacidade de ampliar a base de arrecadação e, com isso, aumentar as receitas do Estado, uma óbvia motivação do governo, diante do déficit fiscal. A reforma tributária transcende esse aspecto, daí o apoio que está recebendo dos agentes econômicos. Era uma contradição a manutenção do complexo sistema de arrecadação tributário brasileiro, com dezenas de decretos, leis e portarias, em níveis federal, estadual e municipal, tendo o Brasil um sistema financeiro operacionalmente considerado um dos mais modernos do mundo. Além do ganho de produtividade e de qualidade do financiamento da máquina pública, a reforma dará mais segurança jurídica aos negócios e investimentos.

Entretanto, toda mudança tem fricção. Não dá para saber por antecipação o impacto das boas expectativas criadas pela reforma nos resultados fiscais de 2024, ou seja, se a meta de déficit zero da equipe econômica do governo será alcançada, diante das desonerações fiscais aprovadas nesta semana e da disposição do presidente Lula de não realizar cortes de investimentos nem nos gastos sociais. Por ironia, o novo nasceu, mas o velho ainda não morreu. Segundo a proposta de reforma tributária, o período de transição para unificação dos tributos vai durar sete anos, entre 2026 e 2032. A partir de 2033, os impostos atuais serão extintos. A transição foi prevista para não haver prejuízo de arrecadação para estados e municípios.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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