Nas entrelinhas: Reforma tributária é uma travessia do Rubicão

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A reforma tributária é uma mudança na estrutura de arrecadação e financiamento do Estado brasileiro — União, estados e municípios —, a mais importante fator desde a aprovação do Plano Real

A expressão “atravessar o Rubicão” representa uma decisão de alto risco e sem volta, que pode mudar o curso da História, como a de Julio César às margens do pequeno curso d’água na Itália setentrional, que corria para o Mar Adriático, ao Norte de Ariminium (Rimini), em 49 a.C. O general romano estava proibido de entrar em Roma com suas tropas, mas decidiu correr o risco político de pôr os soldados em marcha e desafiar o Senado. Apesar da guerra civil entre suas forças e as de Pompeu, o Grande, dessa audácia nasceu o Império Romano. A expressão em latim “alea jacta est”, ou seja, “a sorte está lançada”, com a qual resumiu sua decisão, é usada até hoje.

A aprovação da reforma tributária tem esse caráter, é uma mudança na estrutura de arrecadação e financiamento do Estado brasileiro — União, estados e municípios —, que está sendo saudada pelos agentes econômicos como o mais importante fator de recuperação da produtividade de nossa economia desde o fim da hiperinflação, com o Plano Real, nos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Por um dos caprichos da História, coube a um presidente de esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva, e ao líder político do Centrão, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tecer a aliança mais estratégica para os rumos da economia brasileira.

Segundo o ex-presidente do Banco Central (BC) Armínio Fraga, todos os setores vão se beneficiar em médio e longo prazos. “Essa loucura de 27 legislações enormes vai acabar. A estrutura do próprio imposto vai ser simplificada. Isso tem imensas vantagens. A maioria dos municípios vai se beneficiar”. Armínio destaca que o Congresso já fez outras reformas importantes: a Trabalhista, da Previdência e o Marco Legal do Saneamento.

Houve muita articulação em Brasilia no decorrer da semana para a votação da proposta. O governo liberou R$ 2,1 bi em emendas de bancadas, às vésperas das votação, para satisfazer os políticos do Centrão e de sua própria base. No frigir dos ovos, foi preciso quebrar a resistência de governadores e prefeitos, o que ocorreu graças a uma aproximação entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que o derrotou nas eleições de 2022 ao Palácio dos Bandeirantes.

O acordo com o ministro petista gerou uma grande crise entre o ex-presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, seu ex-ministro e principal aliado na maior unidade da Federação. Tarcísio ainda tentou evitar o conflito e foi à reunião da bancada do PL a convite do presidente da legenda, Valdemar Costa Neto, para explicar o acordo que foi feito. Acabou vaiado e confrontado por Bolsonaro e seus aliados, entre os quais, o deputado Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro do Meio Ambiente do governo passado, que deseja ser candidato a prefeito de São Paulo. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), um dos filhos do ex-presidente, é desafeto declarado do governador paulista.

Centrão

Outra crise ocorreu com o União Brasil, após o ministro da Comunicação, Paulo Pimenta (PT-RS), anunciar que a ministra do Turismo, Daniela Carneiro (RJ), que está de malas prontas para deixar a legenda, permaneceria no cargo. Quem administrou o estresse foi o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que, no final da tarde, comunicou que o presidente Lula se reunirá com os líderes da legenda para confirmar a nomeação do deputado Celso Sabino (União-PA) como novo ministro da pasta. Padilha revelou que Lula já havia se reunido com a deputada e o marido dela, o prefeito Waguinho, de Belford Roxo (RJ), para agradecer seu trabalho à frente da pasta e explicar as razões políticas da mudança, cujo objetivo é assegurar mais votos do União na Câmara, onde o partido tem 59 deputados.

A oposição esperneou em plenário, principalmente, os líderes do PL e do Novo, mas foi derrotada na tentativa de adiar a aprovação da reforma. O presidente da Casa, Arthur Lira, deixou a Mesa para ir à tribuna defender a reforma e rebater as críticas ao fato de o relatório final do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) ter sido apresentado ao Plenário por volta das 18h30. Por se tratar de uma alteração na Constituição, a reforma precisa de votação em dois turnos, com 308 votos favoráveis, no mínimo. No primeiro, foi aprovada com folga, por 375 votos a favor e 113 contrários.

Após muitas negociações, a proposta simplifica cinco tributos: IPI, PIS e Cofins (federais); ICMS (estadual); e ISS (municipal). Dois impostos sobre valor agregado serão criados: um, gerenciado pela União (CBS), e outro, com gestão compartilhada entre estados e municípios (IBS). A composição do Conselho Federativo da proposta terá 14 representantes, com base nos votos de cada município, com valor igual para todos; e 13 representantes, com base nos votos de cada município ponderados pelas respectivas populações.

Vários setores serão beneficiados com redução de alíquotas de até 60%: transporte coletivo rodoviário, ferroviário e hidroviário, de caráter urbano, semiurbano, metropolitano, intermunicipal e interestadual; medicamentos; dispositivos médicos e serviços de saúde; serviços de educação; produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura; insumos agropecuários, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal; atividades artísticas e culturais nacionais; produções jornalísticas e audiovisuais; dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência; e medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual.