Nas entrelinhas: Quem tem a força?

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O motim da Polícia Militar capixaba não pode ser encarado como um fenômeno isolado, por mais que o movimento tenha causas locais, entre as quais os baixos salários dos soldados, cabos e sargentos. É óbvio que o movimento não teria a capacidade de resistência que adquiriu se contasse apenas com o apoio de familiares dos policiais militares que bloqueiam as portas dos quartéis. Houve conivência dos oficiais, principalmente dos coronéis, que serão os mais beneficiados por aumentos salariais reivindicados pela tropa. Na tarde de ontem, policiais civis capixabas também decidiram entrar em greve.

Ontem, o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, que está licenciado e somente reassumirá o governo na segunda-feira, falou pela primeira vez sobre o caos capixaba: “O caminho é um caminho errado, é um caminho que rasga a Constituição do nosso país, é uma chantagem. Se nós, capixabas, não enfrentarmos isso de frente, vai ser, hoje, aqui e, amanhã, no resto do Brasil. Isso é a mesma coisa que sequestrar a liberdade da população capixaba e cobrar resgate. Nós precisamos de muita coesão e firmeza”, disse Hartung. “Não pode pagar resgate. Não se paga resgate nem pelo aspecto ético, nem descumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal.”

Pela manhã, jogou duro com a corporação amotinada, mas à noite retrocedeu. Embora licenciado por causa de uma cirurgia para remover um câncer na bexiga, ainda é quem dá as cartas nos bastidores da crise. O reajuste pedido pelos PMs (reposição da inflação e ganho real de 10%) custaria R$ 500 milhões ao ano para o estado. Em 2016, segundo o Relatório Resumido de Execução Orçamentária compilados pelo Tesouro Nacional, o estado fechou o ano com resultado primário (a soma entre as despesas e as receitas) de R$ 316 milhões. Esses recursos não cobrem o aumento pretendido pelos amotinados. Mais de 60% da receita do estado — cerca de R$ 8,8 bilhões — foram gastos com pessoal e encargos sociais.

O governo capixaba manteve as contas equilibradas e surfou a crise fiscal dos estados. Hartung brilhou como uma exceção à regra durante as negociações dos governadores com o governo federal para rolagem das dívidas dos estados. Na crise dos presídios do Maranhão, Amazonas e Roraima, o Espírito Santo emergiu como uma ilha de excelência na segurança pública, por causa de seu modelo prisional. Em alguns dias, tudo foi para o espaço, com mais de 80 mortes, assaltos, arrombamentos e muito vandalismo.

O comando operacional dos órgãos de Segurança Pública do Espírito Santo agora está sob o comando do general de brigada Adilson Carlos Katibe, comandante das tropas do Exército e da Força Nacional, conforme decreto do governo capixaba, que pediu mais tropas federais. A questão é saber se o general vai assumir o comando do estado-maior da Polícia Militar e pôr a tropa na rua para conter os assassinatos, assalto, arrombamentos e saques. Para dispersar os familiares à porta dos quartéis, bastaria uma ordem firme e decidida. No limite, recorrer ao gás lacrimogêneo ou aos jatos de spray de pimenta, que os mesmos policiais usam e abusam contra estudantes e trabalhadores quando se excedem nos protestos.

Provocação

Nunca é demais lembrar que militares têm obrigações constitucionais para com a hierarquia e a disciplina. O caso do Espírito Santo não pode ser tratado de forma isolada. O que está acontecendo é uma ameaça ao Estado de direito democrático. Esse é o xis da questão. A tática adotada pelos policiais militares para levar ao caos o Espírito Santo é eficiente e simples, exige apenas grande dose de cinismo e grotesca dissimulação. Se for adotada em outros estados, como o Rio de Janeiro, pode se generalizar por todo o país. O sinal foi dado ontem em Brasília. Depois de protestarem na Esplanada, policiais invadiram a Câmara e ocuparam seu auditório. No protesto, não faltaram ameaças contra parlamentares que votarem contra seus interesses.

Numa ordem democrática, o Estado tem o monopólio da força, mesmo que seus governantes sejam fracos e desmoralizados, porque o poder instalado tem, entre suas responsabilidades constitucionais, defender a lei e manter a ordem. Quando esse monopólio se rompe, a sociedade fica à mercê dos violentos. Se isso ocorre porque o aparato de segurança se voltou contra a sociedade, a situação é ainda mais grave. A quebra do monopólio da força é a antessala dos verdadeiros golpes de estado.

Rio de Janeiro

Ontem, o governador Pezão foi cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral, em meios a negociações com a Assembleia Legislativa para aprovação das medidas do ajuste fiscal acordado entre o governo estadual e o Ministério da Fazenda. Mas tem direito a recurso e poderá permanecer no cargo até a decisão transitar em julgado. A magistratura fluminense está na linha de frente da luta contra a reforma da Previdência. Supostamente, uma coisa não teria nada a ver com a outra, seria mera coincidência. Antes de decisão, porém, Pezão concedeu aumento aos policiais militares, bombeiros militares e policiais civis que ameaçavam entrar em greve.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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