Como lidera com folga, um “já ganhou” é inevitável na campanha do petista, principalmente quando sai uma pesquisa na qual poderia levar a disputa de roldão já no primeiro turno
Numa campanha eleitoral, quem está na frente e/ou logo atrás se atacam mutuamente. Isso não define para ambos, porém, quem é realmente o inimigo principal. Na corrida pelo voto, essa equação é um jogo no qual a intuição do candidato, às vezes, vale mais do que as pesquisas eleitorais de ocasião. Por isso, é muito cedo para saber se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva errou ao chamar de “canalha”, e para a briga, o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, responsável principal por sua condenação na Operação Lava-Jato. Terceiro colocado nas pesquisas, atrás do presidente Jair Bolsonaro, o ex-juiz não deixou por menos e partiu para cima de Lula no Twitter: “Canalha é quem roubou o povo brasileiro durante anos…”
Motivos não faltam para a atitude de Lula: (1) deixou-se levar pelo fígado, afinal passou 580 dias em preso em Curitiba depois de condenado pelo juiz; (2) resolveu confrontar Moro para testar sua reação e sondar a repercussão nas redes sociais; (3) já considera Bolsonaro uma carta fora do baralho e teme que Moro chegue ao segundo turno. Todas as alternativas podem ser verdadeiras.
Ex-assessor de imprensa de Lula, no seu Balaio, o jornalista Ricardo Kotscho tripudia dos que ficam dando palpites sobre a campanha de Lula, dentro da campanha e fora dela, inclusive na mídia: “À medida que se amplia a vantagem de Lula sobre os demais candidatos em todas as pesquisas, sinalizando para uma vitória já no primeiro turno, aumenta o número de assessores voluntários que querem dar palpites no rumo da sua campanha, apontando o que ele deve ou não fazer.”
Entram nesse balaio, segundo Kotscho: “Cientistas políticos tucanos, colunistas lavajatistas, economistas da Faria Lima, da Bolsa de Valores, da PUC, da USP e da Unicamp, dirigentes sem expressão e sem votos do PT, pregadores da Praça da Sé, motoristas de táxi, ex-BBB, comentaristas da GloboNews e até ilustres membros do Centrão e da Academia Brasileira de Letras, parece que todos, aliados e adversários, querem contribuir de alguma forma”.
Lula é um expert em campanha eleitoral. Ganhou duas eleições à Presidência, contra José Serra (PSDB), em 2002, e Geraldo Alckmin (então no PSDB), em 2006, e elegeu um poste do saias, a ex-presidente Dilma Rousseff, na sua sucessão, ao derrotar, novamente, o tucano Serra. Também tem experiência em perder eleições presidenciais, pois disputou em 1989, derrotado por Fernando Collor no segundo turno, e 1994 e 1998, para Fernando Henrique Cardoso, no primeiro turno.
Realmente, o petista sabe o que quer. Como lidera com folga, um “já ganhou” é inevitável, principalmente quando sai uma pesquisa na qual poderia levar a disputa de roldão já no primeiro turno. De certa forma, Kotscho critica esse oba-oba e manda um recado para os palpiteiros do PT: “Lembro-me como ele reagia, quando algum assessor mais prestativo vinha-lhe falar, empolgado: ‘Chefe, tive uma boa ideia’. E ele desconversava: “Se a ideia é muito boa, guarda para você. Eu não preciso de ideias. Eu preciso de votos”.
Bate-boca
Toda campanha à Presidência é um embrião de governo, que se materializa após a vitória eleitoral. Um lugar no estado-maior eleitoral é um cargo cobiçadíssimo por assessores, correligionários e aliados. Amigo de Lula, Kotscho acompanha o líder petista desde as greves do ABC e conhece muito bem sua turma. Ao lado de Frei Beto, deixou a “cozinha” do Palácio do Planalto por não ter ganas de poder. Nos tempos em que era a fonte mais segura no governo, só tinha a concorrência do “anão que ficava debaixo da mesa” de Lula e vazava informações para a imprensa. Nunca disse quem era a figura.
Deixando a palha de lado, alguns temas que envolvem a campanha de Lula serão objeto de especulações no mundo político e empresarial, alimentadas pelos próprios petistas por meio da imprensa. Um deles é o vice na chapa, que realmente pode vir a ser o ex-governador Geraldo Alckmin. Outro, o verdadeiro papel do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega na elaboração do programa de governo. Terceiro, a real influência do PT nas decisões, principalmente do ex-senador Aloizio Mercadante, atual presidente da Fundação Perseu Abramo, e da deputada Gleisi Hoffman (PR), presidente do PT.
São temas que têm muito a ver com a política de alianças de Lula, que alavancou seu favoritismo à esquerda e, agora, sinaliza que vai ampliá-las em direção ao centro. A polarização com Bolsonaro consolidou seu favoritismo até agora, seria natural o desejo de que o presidente da República venha realmente a ser o seu inimigo principal. Nesse sentido, quem mais ganharia com o bate-boca com Lula é Moro.