Nas entrelinhas: Que falta nos faz um consenso nacional

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A “política como negócio” faz parte da ordem democrática, mas, aqui, é feita de forma escamoteada e sufoca a “política do bem comum”, que deveria ser hegemônica

Uma das questões mais angustiantes da política brasileira é a ausência de um projeto de desenvolvimento sustentável, em bases democráticas, que conte com amplo apoio político e respaldo social. Sem um consenso nacional, a agenda é pautada pela “transa” entre seus protagonistas, movidos por interesses da pequena política. Essa urgência é dada pela distância crescente entre nosso país e outras nações, não somente os Estados Unidos ou os países europeus, mas, também, os asiáticos, como China e Índia, que, hoje, ocupam a posição de segunda e quinta economias do mundo, enquanto ficamos para trás.

Ontem, em um artigo publicado na Carta Capital, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, expôs de forma resumida uma agenda de integração do Brasil com os demais países da América do Sul que contempla obras de infraestrutura, transição energética, avanços da ciência e da tecnologia, além de medidas voltadas para as questões aduaneiras, policiais e o turismo. Hoje, lamentavelmente, o contrabando de mercadorias, o comércio ilegal de armas e o tráfico de drogas, além da imigração de refugiados — particularmente, de venezuelanos, que cresce —, têm mais visibilidade do que a agenda positiva.

Batizado de Consenso de Brasília, os países da América Latina têm predisposição de agir em conjunto, em que pese os problemas políticos no continente. E as mudanças geopolíticas transformaram a China na maior interessada em que essa integração ocorra. Por motivos óbvios: a Nova Rota da Seda é como um rio que busca o leito mais favorável. Mais uma razão para o Brasil acelerar a implementação das cinco rotas de integração com os países vizinhos, que são multimodais. Envolvem hidrovias, rodovias, infovias (fibra óptica), portos, linhas de transmissão elétrica, ferrovias e aeroportos.

O deslocamento do eixo do comércio mundial do Atlântico para o Pacífico impõe a modernização de nossa infraestrutura logística em onze estados de fronteira: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima e Santa Catarina. Segundo a ministra Simone Tebet, três dessas rotas passam pelo Centro-Oeste e o Norte do país (Rota 1/Ilha das Guianas; Rota 2/Amazônica; Rota 3/Quadrante Rondon); duas englobam a Região Sul: (Rota 4/Bioceânica de Capricórnio, que sai de São Paulo até Antofagasta, no Chile, passando pelo Paraguai) e a Rota 5/Porto Alegre-Coquimbo, também no Chile, que cruza a Argentina).

“Uma rota não briga com a outra. O sucesso da saída mais ao leste, como a pavimentação da BR-156, no Amapá, fronteira com a Guiana Francesa, não atrapalhará, por exemplo, o escoamento de produtos na perna mais ao leste, como Tabatinga, no Amazonas”, explica Tebet. O governo Lula conta com uma carteira de US$ 10 bilhões, contados os recursos do BID, CAF, Fonplata e BNDES, para investir no projeto. Os vizinhos somam 200 milhões de habitantes, o equivalente a um Brasil inteiro, e são potenciais consumidores e produtores de bens e serviços.

Pequena política

Projetos dessa envergadura não acontecem apenas por vontade dos governos, há que se ter convergência de forças econômicas, políticas e sociais. Uma consciência coletiva é necessária para virar a chave e inaugurar um novo ciclo de desenvolvimento. Foi assim como o Plano de Metas de Juscelino Kubitscheck, na década de 1950, para um novo salto na industrialização do país, e com o Plano Real, nos governos Itamar Franco e, principalmente, Fernando Henrique Cardoso, que enfrentou a hiperinflação e estabilizou a moeda, rompendo a lógica da “inflação inercial” como forma de financiamento dos investimentos públicos. Em ambos os casos, havia os descrentes e quem fizesse oposição frontal ao projeto, mas criou-se um amplo consenso de que o país deveria estar engajado. Esse consenso é que evita, mitiga ou corrige os erros. É assim que funciona na democracia. A via de modernização autoritária, como correu no Estado Novo e no regime militar, dispensa amplos consensos, mas não nos interessa.

O que isso tem a ver com o momento político que estamos vivendo? Muito pouco. Não está nas prioridades do Congresso Nacional, haja vista o debate sobre as emendas parlamentares ao Orçamento da União, que abocanham R$ 44,67 bilhões, sendo que R$ 25,07 bilhões em emendas individuais, R$ 11,05 bilhões em emendas de comissões, e R$ 8,56 bilhões em emendas de bancadas estaduais. Esses recursos são pulverizados, voltados para interesses paroquiais e, alguns casos, desviados. Momentaneamente, foram suspensos, por falta de transparência, mas o que interessa aqui é o espírito da coisa.

O que está por trás de tudo isso não é a grande política, um projeto nacional. É apenas a pequena “política como negócio”, que faz parte da ordem capitalista democrática, mas, aqui, é feita de forma escamoteada e sufoca a “política do bem comum”, que deveria ser hegemônica, para usar os conceitos do filósofo e sociólogo alemão Max Weber, autor de A política como vocação e A ética protestante e o espírito do capitalismo (Companhia das Letras).

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