“Se houvesse mais transparência nas emendas parlamentares, talvez existisse menos desconfiança da opinião pública em relação à destinação dos recursos do Orçamento”
Ninguém sabe ao certo qual foi o acordo celebrado entre o presidente do Congresso, Davi Acolumbre (DEM-AP), e o presidente Jair Bolsonaro para a aprovação do Orçamento de 2020. Em tese, o que foi acertado foi a manutenção dos vetos presidenciais às emendas impositivas no valor de R$ 30 bilhões em troca de três PLNs (Projeto de Lei do Congresso Nacional) enviados pelo governo, que seguirão o rito normal, passando pela Comissão Mista de Orçamento, antes de serem deliberados pelo plenário do Congresso. Houve uma negociação confusa, que envolveu também o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro da Economia, Paulo Guedes. E faltou clima para as votações, que foram adiadas para hoje.
No Twitter, o presidente Jair Bolsonaro comemorou: “Não houve qualquer negociação em cima dos 30 bilhões”. Segundo o presidente da República, “a proposta orçamentária original do governo foi 100% mantida” e “está garantida a autonomia orçamentária do Executivo”. O problema são os PLNs, que enfrentam resistências. Um deles, por exemplo, reduz de R$ 9 bilhões para zero o superavit de estados e municípios. Com isso, o deficit primário de R$ 118,9 bilhões da União sobe para R$ 124,1 bilhões. Era a meta no projeto original da lei, enviado ao Congresso em 15 de abril.
A reviravolta nas negociações foi patrocinada pelo MDB no Senado, cuja bancada anunciou ontem, pela manhã, que apoiaria integralmente os vetos de Bolsonaro. Com isso, mesmo que os deputados quisessem derrubá-los, não haveria votos suficientes no Senado. A manobra das raposas do MDB relativizou o papel de Alcolumbre e deixou vendido o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que negociava a derrubada ao menos de um dos vetos do presidente da República, relativo aos recursos destinados à pesquisa, ciência e tecnologia. O assunto passou a ser objeto de um dos PLNs. Os partidos do novo Centrão na Câmara (PSL, PL, PP, PSD, MDB, PSDB, Republicanos, DEM, Solidariedade, PTB, Pros, PSC, Avante e Patriota) seriam os grandes beneficiados pelo pacote de quase R$ 16 bilhões em emendas impositivas do relator, mas foram com muita sede ao pote. Houve forte reação no Senado, inclusive, nesses partidos.
Líder do governo no Congresso, o senador Eduardo Gomes (MDB-TO) ironizava a situação: “O novo líder do governo é o Randolfe Rodrigues (Rede-AP)”. O senador de oposição faz parte do grupo Muda Senado, que, desde o primeiro momento, defendeu a manutenção do veto, ao lado dos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE), Álvaro Dias (Podemos-PR), Tasso Jereissati (PSDB) e Antônio Anastasia (PSD). “O veto vai ser mantido. Ponto. Agora, o ponto de discórdia é outro. Precisamos olhar com mais calma para esses três PLNs antes de votar, eles precisam seguir o rito normal, passar pelo CMO antes. Não vamos ser tratorados”, reclamava Randolfe. A discussão sobre as emendas impositivas uniu setores da base do governo no Senado, como o Major Olímpio (PSL-SP), e a oposição.
Governabilidade
Enquanto as articulações de cúpula transcorriam, o baixo clero do Congresso disseminava versões. Uma delas é de que Bolsonaro teria ameaçado participar das manifestações de 15 de março se os vetos não fossem mantidos. Se tem uma coisa de que os políticos não gostam é de confrontar o povo na rua, a manifestação convocada pelos aliados de extrema-direita e apoiada por Bolsonaro nas suas redes de WhatsApp passou a ser um vetor das decisões no Congresso, que trabalha para esvaziá-la. Tanto no Palácio do Planalto como no Congresso, os moderados entraram em campo para negociar o acordo. Enquanto isso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, realizava um encontro fora da agenda e sigiloso com os líderes da manifestação, para tentar transformá-la num ato a favor das reformas.
Guedes foi um personagem importante nas negociações com o Congresso, pois sua equipe foi a responsável pela elaboração dos projetos de lei. Um deles regulamenta a execução das emendas impositivas, outro mantém R$ 15 bilhões em emendas individuais e de bancada, além do já citado, que zerava o superavit dos estados. Com isso, o governo recupera R$ 15 bilhões que haviam sido destinados às emendas do relator. O desfecho dessa confusão é um momento político importante, porque trouxe a política de volta às relações do Palácio do Planalto com o Congresso, ainda que por caminhos bastante tortuosos.
Ao desprezar as articulações políticas, Bolsonaro pôs em risco a própria governabilidade. Os políticos, por sua vez, se viram diante da reação de setores de extrema-direita que desejam um regime autoritário. As manifestações de 15 de março serão um teste de força, tanto para Bolsonaro como para o Congresso. Aprovar o Orçamento da União é uma prerrogativa dos políticos, mas isso exige responsabilidade quanto ao equilíbrio das contas públicas e à boa aplicação dos recursos. Se houvesse mais transparência nas negociações das emendas parlamentares, talvez existisse menos desconfiança da opinião pública em relação à justa destinação e correta execução dos recursos financeiros do Orçamento da União.
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