O acordo trabalhista com Biden e as negociações do Mercosul com a União Europeia são uma forma de manter o Brasil ancorado no Ocidente. Mas podem subir no telhado
Há muita polêmica sobre a política externa brasileira. A narrativa errática do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em improvisos que situaram nossa presença no chamado Sul Global em contraposição ao Ocidente, leia-se Estados Unidos e União Europeia, trouxe essa questão para o centro do debate político do país. Há uma desconfiança de que a velha doutrina anti-imperialista da esquerda latino-americana dita o rumo da diplomacia brasileira, muito embora o discurso de Lula na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas tenha se pautado por equilíbrio e moderação.
Lula fez um discurso bem estruturado, que honra a tradição diplomática brasileira, desde o “pragmatismo responsável” do falecido chanceler Saraiva Guerreiro, que comandou o Itamaraty de 1979 a 1985. Entretanto, quando fala o que realmente pensa, como em Nova Délhi (Índia) e Joanesburgo (África do Sul), se alinha com a Rússia e a China.
O ex-chanceler do governo do general João Batista Figueiredo foi um ponto fora da curva, está para o panteão da Casa de Rio Branco como Oswaldo Aranha, San Tiago Dantas e Azeredo da Silveira. O primeiro, americanista, se opôs à Aliança de Getúlio com o Eixo nazifascista (Alemanha, Itália e Japão) no começo dos anos 1940; o segundo, em sua brevíssima passagem pelo Itamaraty, formulou a chamada “política externa independente”, que defendia a democracia, a reforma social, o desenvolvimento e a “coexistência competitiva” na antiga guerra fria.
Saraiva Guerreiro substitui Azeredo da Silveira no Itamaraty, cuja gestão já havia sido pautada pelo chamado pragmatismo responsável, com autonomia e universalismo. Traduziu essa política em ações relevantes, como o acordo da hidrelétrica de Itaipu, que encerrou o litígio entre o Brasil e o Paraguai com a Argentina. Também levou adiante o acordo nuclear Brasil-Alemanha Ocidental, assinado em 1975, no governo Geisel, apesar das pressões e da oposição dos Estados Unidos à cooperação com a Alemanha. Àquela época, como agora, a política externa era muito criticada internamente, devido ao posicionamento do Itamaraty em relação à África, ao Oriente Médio e aos vizinhos latinos.
Ocidente e Oriente
O discurso de Lula na ONU está em linha com essa tradição. Defendeu a democracia, o multilateralismo e a cooperação internacional. Com o presidente Joe Biden, anunciou uma inédita parceria entre Brasil e Estados Unidos em defesa dos trabalhadores “precarizados” por aplicativos, cuja importância estratégica está no fato de que as big techs são, em sua maioria, norte-americanas. O aceno ao novo mundo do trabalho tem o claro objetivo de conter a deriva dessa grande massa de trabalhadores sem direitos trabalhistas para a extrema direita, em todo o Ocidente.
Lula também teve um encontro protocolar com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, o início de um diálogo que já havia sido frustrado duas vezes. Entretanto, desta vez, o presidente brasileiro deixou o tema da guerra em segundo plano. O petista emergiu da ONU como um líder dos países em desenvolvimento que lutam contra as desigualdades.
O esforço para posicionar o Brasil como líder do Sul Global no Ocidente, já que o protagonismo euro-asiático da aliança China-Rússia-Irã é inegável, parece bem-sucedido, mas suscita muitos questionamentos internos. Do ponto de vista do comércio exterior, nosso principal parceiro comercial é a China. Mas, do ponto de vista político, o santo é de barro.
O presidente precisa ir devagar com o andor, porque uma política externa tendo por centralidade os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), agora ampliado, com a adesão de Arábia Saudita, Argentina, Emirados Árabes, Egito e Etiópia, tem seus riscos. Desloca o eixo de gravidade da política externa do campo da democracia representativa do Ocidente para os regimes autoritários do Oriente, de características “iliberais”, teológicas ou absolutistas.
O encontro com Biden e o avanço das negociações do Mercosul com a União Europeia, cujo acordo poderia ser assinado até o fim do ano, são uma forma de manter o Brasil ancorado no Ocidente. Entretanto, tudo pode subir no telhado caso o presidente norte-americano perca a reeleição para Donald Trump e o candidato de extrema direita na Argentina, Javier Milei, vença as eleições naquele país.
Lula não consegue sustentar medidas econômicas impopulares, porém necessárias, ainda que em médio e longo…
Essa foi a primeira troca da reforma ministerial que está sendo maturada no Palácio do…
Lula não precisou adotar uma dura política recessiva no primeiro ano de governo, porém se…
Agora, às vésperas de tomar posse, Trump choca o mundo com uma visão geopolítica expansionista…