Para entender a pré-candidatura de Lula, é preciso levar em conta lideranças e militantes petistas que não se envolveram com os escândalos dos governos Lula e Dilma, ou seja, a ala esquerda da legenda
Ninguém tem o direito de dizer que se enganou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que participou de todas as disputas presidenciais desde 1989, quando concorreu pela primeira vez, até a sua reeleição, em 2006. Em 2018, foi afastado do pleito por uma condenação em segunda instância, que resultou também na sua prisão por 580 dias, para cumprir a pena de oito anos, 10 meses e 20 dias à qual fora condenado pela Operação Lava-Jato no caso do triplex de Guarujá. Lula foi solto logo após o Supremo Tribunal Federal (STF) revogar o dispositivo que determina a execução de pena após condenação em segunda instância, em 8 de março do ano passado, decisão seguida da anulação de sua condenação, por não respeitar o princípio do juiz natural, que seria o foro do Distrito Federal e não o de Curitiba, como sempre afirmou sua defesa.
No dia seguinte, Lula já era o candidato favorito nas pesquisas de opinião, a mesma situação em que se encontrava quando foi preso, em 7 de abril de 2018. Desde então, vem se mantendo como líder absoluto na disputa, com possibilidade estatística de vencer as eleições no primeiro turno, se a votação fosse hoje, o que somente ocorreu nas eleições de 1994 e 1998, com Fernando Henrique Cardoso, na onda do Plano Real. Esse favoritismo decorre, em parte, do fracasso do governo do presidente Jair Bolsonaro, cada vez mais de difícil reversão, devido à postura do presidente da República durante a pandemia, ao fracasso da política econômica do ministro da Economia, Paulo Guedes, e à ameaça à democracia que, para muitos, a sua reeleição representaria.
O ex-presidente Lula tem atuado no sentido de evitar as fricções comuns às pré-campanhas eleitorais, resgatar suas velhas alianças regionais e fugir ao confronto com eventuais adversários, tanto o presidente Bolsonaro quanto seus concorrentes de oposição, principalmente Ciro Gomes (PDT) e o próprio Sergio Moro (Podemos). O petista fatura o recall de ex-presidente da República que deixou o governo com uma taxa de crescimento da ordem de 8% do PIB, altos índices de popularidade e ainda conseguiu eleger sua sucessora, a ex-presidente Dilma Rousseff, que, na campanha eleitoral, era comparada a um “poste de saias”. A vida de Lula somente se complicou após deixar o poder, com o escândalo do Petrolão, investigado pela Operação Lava-jato, em cujo inquérito foi arrolado, e devido ao fracasso econômico e ao isolamento político do governo Dilma, depois da reeleição, em 2014.
De certa forma, a pré-candidatura de Lula é marcada por esses acontecimentos, ou seja, isso explica muita coisa, da busca aos velhos aliados do MDB e do Centrão ao distanciamento em relação à ex-presidente Dilma, que está quieta no seu canto, em Porto Alegre. Em torno de Lula formou-se uma frente de esquerda, nucleada por PT, PSB e PCdoB, os partidos da antiga Frente Popular. Com as mudanças ocorridas na legislação partidária, o PT tenta viabilizar uma federação de esquerda nos moldes da Frente Ampla Uruguaia, que é o mais bem-sucedido e perene bloco de alianças políticas de esquerda do Cone Sul, integrado à época por comunistas, socialistas, democrata-cristãos e dissidentes dos partidos Colorado e Nacional.
Fundada em 1971, em torno da candidatura de Líber Seregni à presidência uruguaia, a frente foi posta na ilegalidade com o golpe de Estado de junho de 1973, inclusive com a prisão de seu candidato. Com seus principais líderes no exílio, a frente foi mantida, mesmo na clandestinidade, emergindo como força hegemônica no Uruguai em 2004, com a eleição do presidente Tabaré Vázquez; José Mujica, em 2009; e, novamente, Tabaré Vázquez, em 2014. Após 15 anos no poder, a esquerda foi derrotada por Luís Lacalle Pou, do tradicional Partido Nacional, que governa o Uruguai desde 2020.
Para entender a lógica da pré-candidatura de Lula, é preciso levar em conta as lideranças e os militantes petistas que não se envolveram com os escândalos dos governos Lula e Dilma, ou seja, a ala esquerda da legenda, que, depois da Lava-Jato, passou a ter hegemonia nas suas decisões. Esses setores são contrários à ampliação das alianças ao centro, querem reverter a reforma trabalhista e defendem um programa econômico desenvolvimentista. Vem daí a resistência pública à presença do ex-governador tucano Geraldo Alckmin na chapa de Lula, como seu candidato a vice, bem como a defesa intransigente da candidatura do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad ao Palácio dos Bandeirantes.
Esses setores acreditam que uma vitória de Lula no primeiro turno abriria caminho para um programa de governo mais progressista e uma mudança de correlação de forças no Congresso que lhe fosse favorável, até a convocação de uma Constituinte. Como essa postura afasta possíveis aliados, Lula vem evitando debater temas econômicos. Sua declaração a favor da revogação da reforma trabalhista, por exemplo, gerou forte reação dos setores empresariais e sofreu duros ataques dos demais candidatos de oposição. Entretanto, o que importa, no primeiro turno, é o engajamento entusiasmado dos militantes de esquerda e dos sindicatos de trabalhadores na sua campanha. Se houver segundo turno, a conversa muda.
O presidente brasileiro defendeu a taxação de operações financeiras de super-ricos, para financiar o combate…