Nas entrelinhas: Presidente gay

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Eduardo Leite se posicionou estrategicamente para dialogar com a esquerda, ocupar um lugar ao centro e confrontar o reacionarismo homofóbico e misógino de Bolsonaro

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), protagonizou, na quinta-feira passada, o fato político mais importante da semana em relação às eleições de 2022, ao assumir que é um “governador gay”, no programa Conversa com Bial, da Rede Globo. O tema da homossexualidade é um tabu nas eleições, principalmente majoritárias, em quase todas as democracias do mundo. Entretanto, nos últimos 20 anos, há exemplo de mandatários gays eleitos na Islândia, na Noruega, na Bélgica, na Irlanda, em Luxemburgo e na Sérvia.

“Eu nunca falei sobre um assunto que eu quero trazer pra ti no programa, que tem a ver com a minha vida privada e que não era um assunto até aqui porque se deveria debater mais o que a gente pode fazer na política, e não exatamente o que a gente é ou deixa de ser. Eu sou um governador gay e não um gay governador, tanto quanto Obama nos Estados Unidos não foi um negro presidente, foi um presidente negro. E tenho orgulho disso”, declarou. Sem citar o nome, o tucano assumiu seu romance com o pediatra capixaba Thalis Bolzan, de 26 anos. “Tô namorando há nove meses. Não é do Rio Grande do Sul, é um médico do Espírito Santo. Tenho enorme admiração e amor por ele”.

Eleito no Rio Grande do Sul em 2018 com 53,6% dos votos, aos 36 anos, Leite é o governador mais jovem em exercício hoje no país. Foi prefeito de Pelotas, entre 2013 e 2016; antes, secretário municipal, vereador e presidente da Câmara Municipal. Já era uma pedra no sapato do governador de São Paulo, João Doria, pois disputa a vaga de candidato a presidente da República pelo PSDB, nas prévias da legenda marcadas para novembro. Agora, tornou-se uma novidade da política nacional e favorito na disputa interna dos tucanos, ampliando o apoio que já tinha dentro e fora da legenda.

Ao assumir ser gay, Leite criou um fato político nacional e se vacinou contra os ataques que sofrerá na campanha. Precisa evitar o que aconteceu com Jackson Barreto, então prefeito de Aracaju, na disputa pelo governo de Sergipe, em 1994, encabeçando a coligação PDT, PSB, PCdoB, PT, PP e PMN. Mesmo com a expressiva votação no primeiro turno, foi derrotado no segundo turno pelo então senador Albano Franco, que contratou um grupo de travestis para fazer uma campanha fake “a favor” do adversário no sertão sergipano e virou a eleição. Na época, o filme Priscila, rainha do deserto, história de uma trupe de artistas gays, bombava nos cinemas. Na campanha, Jackson não assumia sua notória orientação sexual.

Terceira via
Eleitor de Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018, com uma gestão fiscalista no Palácio Piratini, Leite é um dos políticos decepcionados com o presidente da República e busca construir uma “terceira via” na disputa pela Presidência. Com sua atitude, atraiu a atenção de milhares de eleitores, multiplicou o número de admiradores nas redes sociais e tirou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva da zona de conforto em relação às minorias LGBTQI+. A sigla reúne o universo possível de identidades de gênero: lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queers (fluidos), intersexuais, assexuados, andróginos, pansexuais etc.

Leite criou uma rede de apoio nesses segmentos como nunca houve na política brasileira. Entretanto, não está ancorado somente aí. Pode ser porta-voz de uma geração protagonista da revolução de costumes, que encara com naturalidade a diversidade sexual e as diferenças de gênero. Até agora, recebeu mais elogios do que ataques dos políticos de esquerda, mas suas chances eleitorais estão diretamente relacionadas à capacidade de conquistar o eleitor conservador frustrado com Bolsonaro. Seu cacife para vencer as prévias do PSDB é a gestão responsável no Rio Grande do Sul, o amplo trânsito no grande empresariado nacional e o apoio dos líderes tucanos que não se bicam com Doria.

Caráter e competência independem de orientação sexual. As declarações de Leite não foram improvisadas, são puro cálculo político, como quando se compara ao presidente norte- americano Barack Obama, que faz parte de uma minoria oprimida pela sociedade branca, mas nunca aceitou essa condição nem se fez de vítima. Governou para a maioria, com quem dialogou de igual para igual. O político gaúcho se posicionou estrategicamente para dialogar com a esquerda, ocupar um lugar ao centro e confrontar o reacionarismo homofóbico e misógino de Bolsonaro. Seu maior adversário ainda é o conservadorismo da sociedade.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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