Nas entrelinhas: Política fora da lei

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Como punir os políticos que comandavam o esquema e não punir os que dele se beneficiaram sem o saber?

A Procuradoria-Geral da República (PGR) protocolou ontem 800 depoimentos de 77 executivos e ex-executivos da Odebrecht que negociaram suas delações premiadas no âmbito da Operação Lava-Jato. Eles serão ouvidos, novamente, por juízes designados pelo ministro Teori Zavascki, relator do caso no Supremo Tribunal Federal(STF), para que as citadas delações sejam aceitas. Até lá, tudo está em segredo de Justiça. Pelo teor dos vazamentos, porém, quase toda a elite política do país está enrolada na Lava-Jato, como naquele samba famoso do Bezerra da Silva: “Se gritar pega ladrão…”

Desde o julgamento do mensalão, sabia-se que o sistema de financiamento da política e dos políticos no Brasil estava em aberta contradição com a Constituição de 1988. Seguia uma tradição na qual o que distinguia um político honesto de um desonesto era a formação de patrimônio e o enriquecimento ilícito com recursos públicos, e não a utilização de caixa dois, prática mais ou menos generalizada. O dinheiro do caixa dois, porém, na maioria dos casos, tinha origem ilícita, principalmente no desvio de recursos públicos mediante o superfaturamento ou a não execução de obras e serviços públicos.

Esse padrão de financiamento não tinha sustentabilidade legal, mas isso não foi levado em conta, porque havia um pacto corrupto entre o mundo político e o mundo empresarial, beneficiado por contratos e privilégios governamentais. Ocorre que os órgãos de controle da União, responsáveis por zelar pela legitimidade dos meios empregados na política, pouco a pouco foram desvendando os vasos comunicantes do sistema, o que culminou na Operação Lava-Jato. Nesse particular, a autonomia concedida à Polícia Federal, à Receita Federal e ao Ministério Público pela Constituição de 1988 revelou-se um instrumento muito eficaz. Os órgãos de controle do Estado passaram a ter um papel decisivo para que o problema fosse enfrentado. As delações premiadas da Odebrecht são desdobramentos das investigações que tiveram início com a simples suspeita de lavagem de dinheiro em um posto de gasolina de Brasília.

Desnudou-se não somente o maior esquema de corrupção do mundo, mas também um modelo de financiamento político e de acumulação de capital incompatíveis com o Estado de direito democrático. Quase todo o establishment político, a rigor, operava fora da lei. Aí está o maior problema da crise ética, pois isso revela um frágil equilíbrio entre a manutenção da ordem democrática e o funcionamento de suas instituições, a começar pelo Congresso. Como desfazer esse nó? Como punir os políticos que comandavam o esquema e não punir os que dele se beneficiaram sem o saber? Para a opinião pública, o juízo está feito. É só cantar o refrão do Bezerra: “não fica um, meu irmão!”. Para o devido processo legal, porém, é preciso provar a existência de caixa dois e o dolo. É aí que entra o Supremo Tribunal Federal (STF) como o desatador de nós.

Campanha
Por exemplo, o depoimento de Marcelo Odebrecht descreveria uma doação ilegal de cerca de R$ 30 milhões para a coligação “Com a Força do Povo”, que reelegeu Dilma Rousseff e Michel Temer. O valor representa cerca de 10% do total arrecadado oficialmente pela campanha. No Tribunal Superior Eleitoral (TSE), já haveria provas de que o marqueteiro de Dilma, João Santana, teria recebido R$ 21,5 milhões do caixa dois da Odebrecht. A reprovação de suas contas pode levar à cassação do mandato do presidente Temer, a não ser que a contabilidade de campanha do então vice-presidente seja desmembrada.

Ontem, o juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos da Lava-Jato na primeira instância, aceitou a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e mais oito pessoas na Operação Lava-Jato. A denúncia envolve a compra de um terreno para a construção da nova sede do Instituto Lula e um imóvel vizinho ao apartamento do ex-presidente, em São Bernardo do Campo. Lula é réu em mais três processos relacionados à mesma operação e está sendo investigado em outros quatro. Não é à toa que se queixa de perseguições políticas.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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