A pressa para a votação da reforma decorre da delação premiada de Marcelo Odebrecht, que será um tsunami político
Apesar do impeachment da presidente Dilma Rousseff e da derrota nas eleições municipais, que reduziram drasticamente as bases do PT em termos eleitorais – a 256 prefeitos, no primeiro turno, e 2.808 vereadores –, a legenda emplacou o deputado Vicente Cândido (PT-SP) como relator da reforma política que está sendo articulada pelo PMDB no Congresso, cuja comissão especial, na Câmara, deverá ser presidida pelo deputado Lúcio Viera Lima (PMDB-BA), irmão do ministro da Articulação Política, Geddel Vieira Lima. Os dois partidos estão aliados no sentido de bloquear qualquer possibilidade de renovação do sistema partidário em 2018, uma espécie de antídoto aos efeitos eleitorais devastadores da Operação Lava-Jato previstos para o pleito de 2018.
Ontem, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), deu o rumo do pacto que está sendo construído em Brasília: “Eu defendo que nós comecemos a reforma política. A reforma política precisa ser feita no Brasil, há uma necessidade. Esse sistema político envelheceu, precisa ser substituído. E eu entendo que a oportunidade é conjugar ao mesmo tempo reforma política, combate à corrupção e lei de abuso de autoridade. Se nós fizermos essa conjunção, para votarmos essas propostas, nós estaremos aperfeiçoando o Brasil e consequentemente suas instituições”, enfatizou.
Qual é a reforma proposta? Renan responde sobre a principal iniciativa quanto aos partidos políticos: “a proibição da coligação proporcional e a cláusula de barreira”. Essa parte começará a tramitar pelo Senado, onde o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) apresentou uma proposta na qual os parlamentares eleitos por legendas que não ultrapassarem a cláusula de barreira serão absorvidos pelos grandes partidos para preservar seus respectivos mandatos. Assim, os perus estarão a salvo na festa de Natal.
O que vai tramitar na Câmara? O voto em lista, proposto pelo PT, ou “distritão”, a fórmula do presidente Michel Temer para acabar com o voto de legenda, e o fim da reeleição, o que facilita o acordo para a sucessão presidencial de 2018. Com as cartas na manga, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se articula para cooptar deputados suficientes para garantir a sobrevivência de seu partido à cláusula de barreira. Aconteça o que acontecer, mesmo com a Operação Lava-Jato, os grandes partidos estarão salvos. Os médios ficarão em grandes apuros e os pequenos partidos estarão condenados ao desaparecimento, apesar do bom desempenho de alguns deles nas eleições municipais.
Caixa dois
É aí que entra a segunda parte da operação: aprovar uma anistia para o “caixa dois eleitoral”, no pacote de medidas anti-corrupção. Já está tudo negociado entre o PMDB e o PSDB. A pressa para a votação da reforma decorre da delação premiada de Marcelo Odebrecht, que será um tsunami político, já que todos os políticos que receberam dinheiro para a campanha do caixa dois da empresa serão citados. É preciso, porém, mitigar os efeitos legais e eleitorais da delação, para que uma parte da elite política e os grandes partidos sobrevivam ao grande expurgo que as investigações em curso podem promover.
Ou seja, mudar para tudo continuar como está, como diria aquele personagem do livro O Leopardo (Gattopardo), de Tomasi di Lampedusa, publicado postumamente. O livro retrata a decadência da aristocracia siciliana. Duque de Parma, príncipe de Lampedusa, o nobre italiano viveu entre Roma e Palermo. Faleceu em 1957 sem publicar sua obra-prima, que mais tarde foi imortalizada pelo cineasta italiano Luchino Visconti, que ganhou a Palma de Ouro, do Festival de Cannes, em 1963, com O Leopardo. Alain Delon, Burt Lancaster e Claudia Cardinale foram as estrelas do filme.
A terceira parte é a nova lei de abuso de autoridade, cujo objetivo é limitar as prerrogativas dos órgãos de controle do Estado – Polícia Federal, Receita Federal e Ministério Público – e enquadrar os juízes federais de primeira instância, como Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. É um freio de arrumação na Operação Lava-Jato, para o qual há um ambiente favorável entre ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e até na Procuradoria-Geral da República. A campanha feita pelo PT internacionalmente contra o Judiciário começa a ganhar força internamente, por causa de algumas ações espalhafatosas de delegados e procuradores.
Para o PT, surgiu uma luz no fim do túnel. Na segunda-feira, quarenta deputados formaram um grupo disposto a disputar o seu comando ou sair da legenda. Nesse caso, as opções seriam fundar outro partido ou se dispersar pelas bancadas do PSol, do PSB e até mesmo do PPS. O líder da bancada, José Guimarães, reagiu: “É um erro estratégico para a democracia ventilar a possibilidade de sair do PT para qualquer uma outra aventura. Alguns saíram do PT dizendo que estavam desgastados e que queriam disputar as eleições. Se deram muito mal”, disse.A reforma fecha a porta de saída para os dissidentes.