Começou a contagem regressiva para que Temer assuma o poder em caráter definitivo, o que mudará a relação entre os aliados
Quando a marcação é constante e a distância diminui, diz uma boa e velha regra de navegação, a rota é de colisão. Alguém tem que corrigir o curso para evitar o desastre. É o que está acontecendo entre o PMDB e o PSDB no Congresso, onde as velhas contradições entre os dois partidos afloram. As tensões entre as duas bancadas são ainda mais acirradas porque os dois partidos disputam o espaço vazio deixado pelo PT nas eleições municipais, a começar pelas eleições de São Paulo. Na capital paulista, o PMDB pode renascer das cinzas, graças à candidatura de Marta Suplicy, que larga com quase o dobro de intenções de votos do candidato tucano João Doria. Se não houver alteração no quadro, irá para o segundo turno contra Celso Russomano (PRB), líder folgado da disputa.
Mas a tensão entre os dois partidos tem muito mais a ver com as eleições de 2018, nas quais o PMDB certamente pretenderá fazer o sucessor de Michel Temer ou reelegê-lo. Às vésperas de ser efetivado na Presidência, Temer tem demonstrado preocupação com a situação e sabe que, em breve, as duas legendas não terão mais um objetivo comum: a destituição de Dilma. O PT deixará de ser o inimigo principal de ambos, seja porque foi apeado do poder, seja porque terá um fraco desempenho nas eleições municipais. Mesmo que a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobreviva à Operação Lava-Jato.
O lançamento da candidatura à reeleição pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), apesar de prontamente rejeitada por Temer, envenenou as relações entre os dois partidos. O ministro das Relações Exteriores, José Serra (PSDB-SP), que para todos os observadores estaria com um pé no PMDB para ser candidato à sucessão, já emite sinais de desconforto. Na cozinha do Palácio do Planalto, são constantes às críticas às intervenções do chanceler nas reuniões ministeriais, nas quais emite opinião sobre quase tudo, principalmente sobre a economia. Os tucanos também se interrogam sobre as pretensões do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, à sucessão de Temer. E já há os que veem o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), como outra possibilidade peemedebista, em razão do sucesso das Olimpíadas.
O certo mesmo é que começou a contagem regressiva para que Temer assuma o poder em caráter definitivo, o que mudará a relação entre os aliados, pois o governo terá mais força para impor sua vontade ao Congresso. Esse é o raciocínio dos ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, e da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima. Não é, porém, o de Temer, que já revelou preocupação com a antecipação da disputa de 2018. Na sua avaliação, a desarticulação de sua base no Congresso pode levar o governo ao fracasso e todos perderão com isso. Tanto o PSDB como o DEM têm pressionado o governo a aprovar o ajuste fiscal, mas o PMDB e demais aliados resistem a cortar na própria carne.
“Austericídio”
Na verdade, o Palácio do Planalto manobra no Congresso para transferir o ônus do ajuste para a antiga oposição. Beneficia-se, inclusive, da oposição sistemática que o PT, o PCdoB e o PSol fazem ao ajuste. Além disso, o partido canaliza as insatisfações corporativas para o Congresso, seja porque não quer confrontar os funcionários públicos, seja para não bater de frente com o Judiciário. Ontem, por exemplo, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), anunciou que porá em votação, no dia 6 de setembro, o aumento dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que o PSDB pretende derrubar, conforme relatório do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES). É música para os poderes Legislativo e Judiciário em todos os níveis, porque a aprovação do aumento dos ministros terá um efeito cascata para desembargadores e juízes, de um lado, e os próprios senadores e deputados federais e estaduais e vereadores, de outro. Com isso, lá se vai um pedaço do ajuste fiscal.
A propósito, o ajuste do ministro Meirelles não é um “austericídio”, como adverte o ex-ministro Delfim Neto. Para a Fazenda, as medidas mais importantes são a aprovação do limite de gastos públicos por dez anos e a reforma da Previdência, além da DRU, que possibilitará o remanejamento das receitas da União de acordo com a conveniência do Planalto. A prioridade do governo não é levar a inflação para o centro da meta em 2017, nem obter um superavit fiscal a curto prazo, é retomar o crescimento e conter a onda de desemprego, com objetivo de garantir o mínimo de base popular para Temer. Todos os partidos da base estão 100% de acordo com esse objetivo, para aprovação definitiva do impeachment e a cassação de Dilma. Depois disso, porém, a conversa será outra. É aí que mora o perigo de o país degringolar outra vez, com a antecipação da disputa eleitoral de 2018.