O amigo ministro arrastou Temer para o furacão da crise ética, num momento em que o Congresso está sobressaltado pela Lava-Jato
Uma das dificuldades do governo Temer é seu modus operandi político, “a transa”, principalmente no Congresso, cujo principal operador se tornou o maior problema: o secretário de Governo, ministro Geddel Vieira Lima. Velho companheiro de jornada, desde a primeira eleição de Temer para a presidência da Câmara, ao lado do ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, e do secretário-executivo do Programa de Parceria de Investimentos, Moreira Franco, Geddel faz parte do estado-maior do governo. Recebeu recado do presidente da República de que deveria se demitir, porém, disse ao interlocutor que não vai pedir para sair. Considera-se imexível!
O resultado foi a “bomba” do fim da tarde de ontem, quando a Polícia Federal encaminhou à Procuradoria-Geral da República o depoimento do ex-ministro da Cultura Marcelo Calero, no qual ele afirma que foi pressionado até por Michel Temer para resolver o problema de Geddel com sua pasta, ou seja, a liberação pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) do empreendimento imobiliário La Vue Ladeira da Barra, em Salvador, embargado pelo órgão. Desde que saiu da pasta, o jovem diplomata está atirando. Calero se recusou a conversar com o sucessor, Roberto Freire (PPS-SP), e não foi à posse para fazer a transição do cargo; trocou o sapato de bico fino pelo tamanco na mão. Nos bastidores, corre a versão de que teria gravado o presidente, o que seria um espanto em se tratando de um ministro.
No momento, Geddel é o grande artífice de duas articulações em curso na Câmara: a operação para reeleger o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e a aprovação da anistia ampla, geral e irrestrita do caixa dois eleitoral, para dar um basta à Operação Lava-Jato. Toda a movimentação feita por Geddel para permanecer no cargo, porém, desde a eclosão da crise, na sexta-feira passada, pôs mais lenha na fogueira e desgastou o governo. O amigo ministro arrastou Temer para o olho do furacão da crise ética, num momento em que o Congresso está sobressaltado pelo acordo de delação premiada feito por Marcelo e Emílio Odebrecht, o pai, e mais 78 executivos da empresa, no qual estariam denunciados mais de 200 políticos, entre os quais duas dezenas de governadores.
Na noite de quarta-feira, enquanto deputados da comissão que analisava as 10 medidas de combate à corrupção propostas pelo Ministério Público Federal (MPF) se digladiavam para aprovar o parecer do deputado Onix Lorenzoni (DEM-RS), corria o boato de que a força-tarefa da Operação Lava-Jato preparava uma operação para prender 130 políticos, com autorização do ministro Teori Zavascki. A paúra foi grande. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), altas horas da noite, chegou a ligar para o presidente da Câmara para pedir que o projeto de anistia do caixa dois fosse votado ainda ontem, de maneira a permitir que o Senado aprovasse a medida na próxima semana.
A manobra fracassou porque houve resistência em plenário. Mesmo assim, a proposta de votação nominal do projeto chegou a ser derrotada. Segundo o relator, havia uma manobra para derrubar o projeto negociado na comissão e, depois, apresentar um substitutivo em plenário, aprovando a anistia. Rodrigo Maia resolveu encerrar os trabalhos e convocar nova sessão para terça-feira. Como o uso de caixa dois eleitoral era mais ou menos generalizado, apesar da forte reação da opinião pública, a tendência do plenário é aprovar a anistia. Na verdade, instalou-se uma corrida entre o Congresso e a força-tarefa da Lava-Jato, para votar a proposta antes da denúncia contra os políticos. O lobby da Odebrecht ainda é forte no Congresso; coincidentemente, a empresa adiou para segunda-feira a assinatura do acordo.
Sem rumo
A semana foi um desastre para o governo, ainda que o acordo feito com os governadores para aliviar a crise nos estados tenha reduzido a pressão da base sobre o Palácio do Planalto. Na economia, o governo emite sinais trocados: ao mesmo tempo que avança na direção da aprovação do teto de gastos públicos e anuncia a intenção de fazer a reforma da Previdência, o Ministério da Fazenda manteve uma política expansionista. O dinheiro obtido com a repatriação dos dólares em contas externas não-declaradas mascarou o rombo nos gastos públicos. Na verdade, a despesa primária, que exclui juros da dívida pública e as amortizações, deverá crescer 12,9% em 2016. São mais R$ 143,4 bilhões em gastos na comparação com o ano passado.
Pode ser que seja uma estratégia do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para permitir um ajuste de longo prazo, em que os aumentos dos gastos públicos estarão limitados pela inflação do ano anterior, a chamada PEC do teto. Mas faltou combinar com os beques. A gestão da crise fiscal não responde às necessidades da sociedade, seja para geração de empregos, seja para viabilizar os investimentos. Resultado: começam a surgir dúvidas quanto à competência de Meirelles dentro do governo, além de inquietação nos meios empresariais. A reunião do Conselhão de segunda-feira passada, em vez de reduzir, aumentou essas dúvidas.