Existe uma equipe de transição que funciona como um embrião do futuro governo, com muitas disputas por espaços, e uma tendência dos partidos a querer as pastas com “porteira fechada”
Depois de muitas negociações, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu mesmo propor que o Bolsa Família fique fora do teto de gastos por quatro anos. Ontem, o senador Marcelo Castro (MDB-PI) protocolou a PEC da Transição, que mantém o pagamento de R$ 600 do Auxílio Brasil, rebatizado como Bolsa Família, seu nome de origem.
Pela proposta, o valor referente ao programa fica fora do cálculo do teto de gastos entre 2023 e 2026. A proposta de emenda à Constituição retira do Orçamento da União até R$ 175 bilhões do programa de transferência de renda para não estourar o teto de gastos. Castro levou em conta o projeto inicial elaborado pela equipe de transição de Lula.
Segundo o ex-ministro Nelson Barbosa, um dos economistas de equipe de transição, a estratégia adotada foi definida pelos senadores e deputados petistas. “Vamos ver a evolução da PEC”, disse. O texto precisa ser aprovado a tempo de ser incluído no Orçamento da União de 2003. “É a estratégia que foi considerada mais viável do ponto de vista político”, explicou Barbosa.
A PEC da Transição precisa ser aprovada no Congresso até 10 de dezembro para que haja tempo hábil para os parlamentares analisarem o Orçamento de 2023, que precisa ser aprovado ainda este ano.
“O texto apresentado excepcionaliza do teto de gastos o valor necessário para dar continuidade ao pagamento dos R$ 600 do Bolsa Família, mais R$ 150 por criança de até seis anos de idade. E, ainda, recompõe o Orçamento de 2023, que está deficitário em diversas áreas imprescindíveis para o funcionamento do Brasil. Esperamos aprovar a PEC, nas duas Casas, o mais rápido possível”, avalia Castro.
Apesar do otimismo de Castro, aprovar a PEC com prazo de vigência de quatro anos é uma missão quase impossível. Foi apresentada com esse prazo para uma negociação que envolve também a manutenção do orçamento secreto, que o Centrão pretende incluir na Constituição, o que é um absurdo. Por dois motivos:
1) o orçamento secreto pulveriza recursos de investimento do Orçamento, que deveriam ser destinados a projetos prioritários, como os de infraestrutura, por exemplo, em vez de servir de instrumento para o clientelismo mais rastaquera; 2) a falta de transparência na distribuição dos recursos, sem que se saiba quem são seus verdadeiros autores, facilita a formação de caixa dois eleitoral e o abuso de poder econômico pelos detentores de mandato, desequilibrando a paridade de armas na disputa.
O problema é que são poucos os parlamentares, inclusive os de oposição, que não se beneficiaram das chamadas emendas do relator, eufemismo usado para mascarar o orçamento secreto. Embora o PT e o PSB devem anunciar, hoje, o apoio à reeleição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), essa não seria uma moeda de troca para manter o Bolsa Família fora do teto por quatro anos. O Centrão e seus aliados preferem barganhar cargos e verbas todo ano para manter o programa criado por Lula fora do teto. Um bom acordo seria aprová-lo por dois anos, mas a moeda de troca é a manutenção do orçamento secreto.
Ministério
O que não falta são especulações sobre os nomes dos futuros ministros de Lula. Se o time já está escalado, o que não parece ser o caso ainda, somente o presidente eleito sabe qual será a composição. Dois problemas estão na ordem do dia e pressionam para que ele anuncie logo os ministros. Primeiro, a situação da economia e a ambiguidade da equipe econômica.
O mercado quer que Lula indique logo o futuro ministro da Fazenda por uma questão de previsibilidade em relação à política econômica. Um nome sinalizaria o rumo do próximo governo, o que é fundamental para os investidores apostarem seus recursos no Brasil.
Essa é a cobrança. A dificuldade de Lula é ter alguém de sua absoluta confiança política na pasta, o que faz a banca de apostas tender para o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. Será ele?
Outra área estratégia que não pode esperar muito é a Defesa. Diante de uma evidente conspiração golpista, que faz ruidosa agitação à porta dos quartéis, Lula precisa escolher o novo ministro da pasta. Sua intenção é ter um civil no cargo, que seja capaz de manter um bom relacionamento com os comandantes militares.
Não é uma operação simples, porque os militares não querem perder as posições no ministério — são milhares em cargos comissionados na Esplanada. A escolha do nome é estratégica. A tendência de Lula é pôr no cargo alguém que tenha bom trânsito com os generais e seja de sua absoluta confiança. Fala-se, por exemplo, em Aloízio Mercadante. É filho de general, mas isso não significa amplo trânsito nas Forças Armadas.
São decisões urgentes, que estão na esfera da cota pessoal de Lula. Mais complexa é a montagem da equipe ministerial em forma de governo de ampla coalizão, ou seja, com uma maioria no Congresso. A forma como será feita a composição é ainda uma incógnita, porque existe uma equipe de transição que funciona como um embrião do futuro governo, com muitas disputas por espaços, e uma tendência dos partidos a querer o controle das pastas com “porteira fechada” — como se diz no jargão do Congresso.
Os partidos de esquerda não têm muita dificuldade para compartilhar os ministérios, mas o mesmo não acontece com grandes legendas de centro, como o MDB, o PSD e PSDB.