Pano de fundo é a sucessão dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira — na qual a oposição atua com o Centrão
O governo sofreu dois grandes revezes, ontem, um no Senado e outro na Câmara, que aprovaram propostas da agenda conservadora da oposição. No Senado, foi aprovada uma emenda à Constituição que criminaliza o porte e a posse de drogas, independentemente da quantidade. Na Câmara, por ampla maioria, a oposição aprovou um pedido de urgência para votar um projeto de lei que criminaliza a atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). Em ambos os casos, o pano de fundo é a sucessão dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), na qual a oposição atua em aliança com o Centrão para desestabilizar o bloco de apoio ao governo.
Em relação ao projeto que endurece a repressão ao consumo de drogas, a proposta foi aprovada, em primeiro turno, por 53 x 9, e em segundo por 52 x 9. Há uma reação da maioria dos senadores ao Supremo Tribunal Federal (STF), cujo presidente, Luís Roberto Barroso, defende a descriminalização do porte de pequenas quantidades de maconha para uso pessoal. Cinco ministros votaram a favor da descriminalização, entretanto não chegaram a um entendimento comum para classificar o que seria “uso pessoal”.
Além de criminalizar o porte e a posse, a proposta a ser votada pela Câmara prevê inserir na Constituição uma distinção entre traficante e usuário, com penas alternativas à prisão para quem consome a substância ilícita. Na prática, “constitucionaliza” a Lei de Drogas, que vigora desde 2006, e impede que o Supremo estabeleça nova jurisprudência.
Pacheco defende a prerrogativa de o Congresso definir o tráfico e o consumo, que terão, independentemente de outros critérios, consequências jurídicas. “Cabe ao Parlamento decidir se algo deve ser crime ou não”, disse. Há controvérsias sobre o poder do Congresso de modificar o texto do artigo 5º da Constituição, que estabelece os termos da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, que são cláusulas pétreas.
Entre os criminalistas, é cada vez mais forte o entendimento de que a política antidrogas adotada pela maioria dos países não é eficaz para combater o tráfico. Pelo contrário: vem sendo um fator de fortalecimento do crime organizado e do desenvolvimento de drogas sintéticas muito mais poderosas.
É o caso, por exemplo, do consumo da maconha, cuja posse passaria a ser criminalizada, na contramão do que começa a ocorrer mundo afora. O endurecimento das penas é responsável pela elevação da população carcerária, muito acima da capacidade dos presídios e de a Justiça julgar os casos dos presos provisórios por porte de drogas.
Abril Vermelho
Na Câmara, os deputados ligados ao agronegócio e da oposição passaram o rodo nos governistas na votação do pedido de urgência para votação do projeto de lei que criminaliza o MST, aprovada por 299 x 111, com uma abstenção. Foi uma reação ao Abril Vermelho, que neste mês já registrou 21 ocupações de propriedades rurais. A urgência do projeto foi articulada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que aprovou o chamado Pacote Anti-Invasão, para inviabilizar a atuação do MST.
O primeiro projeto é o PL 8.262/17, de autoria do ex-deputado André Amaral (Pros-PB), que concede a proprietários rurais o direito de solicitarem o uso de força policial para a retirada de ocupantes de terra de áreas de sua propriedade, sem necessidade de ordem judicial — conforme determina a legislação atual. O segundo, o PL 4.183/23, de autoria do deputado Coronel Assis (União Brasil-MS), obriga movimentos populares a terem personalidade jurídica para poderem atuar politicamente, o que significa criminalizar os movimentos sociais espontâneos.
Outra proposta que deve ser aprovada pela CCJ, e encaminhado para votação em regime de urgência, na base do rolo compressor, é o PL 709/23, do deputado Marcos Pollon (PL-MS). O texto estabelece impedimentos a ocupantes de terras rurais e urbanas, como a proibição de receber auxílios e benefícios de programas federais e o veto à ocupação de cargo ou função pública. O relator é o ex-ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, Ricardo Salles (PL-SP), aquele que queria aproveitar a pandemia para “passar a boIada”.
Ontem, para complicar ainda mais a vida do governo na Câmara, o presidente Arthur Lira (PP-AL) anunciou que pretende instalar cinco das oito CPIs requeridas pela oposição. Uma delas trata do abuso de autoridade de ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do STF. Lira está em guerra com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e faz uma demonstração de força para não perder o controle da própria sucessão. Para agradar a oposição, também abre espaço para a oposição contra o Supremo.
Colunas anteriores no Blog do Azedo: https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/
Lula não consegue sustentar medidas econômicas impopulares, porém necessárias, ainda que em médio e longo…
Essa foi a primeira troca da reforma ministerial que está sendo maturada no Palácio do…
Lula não precisou adotar uma dura política recessiva no primeiro ano de governo, porém se…
Agora, às vésperas de tomar posse, Trump choca o mundo com uma visão geopolítica expansionista…