Nas entrelinhas: Partidos sem projeto

compartilhe

O ambiente político no Congresso é pautado pelo instinto de sobrevivência, num momento em que o país precisa se reinventar sob vários aspectos

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em vídeo distribuído nas redes sociais, fez um alerta de que o Congresso não está no seu melhor momento para fazer uma reforma política profunda; sugeriu que se limite a discutir as medidas que estão em tramitação na Câmara e no Senado, como o fim das coligações e a cláusula de desempenho. Alertou que a proposta de lista fechada — que ganhou força graças ao relator da reforma política na Câmara, deputado Vicente Cândido (PT-SP) — aparece para a opinião pública como um subterfúgio para que os candidatos enrolados na Operação Lava-Jato mantenham privilégios e se livrem de eventuais processos.

Sua declaração é uma espécie de alto lá para o PSDB e aliados, que já estavam embarcando na proposta petista, que foi agarrada com as duas mãos pelos políticos enrolados do PMDB e outros partidos envolvidos no escândalo da Petrobras. Com a campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na rua, a proposta da lista fechada interessa, sobretudo, ao PT, que não está sendo oportunista, vale ressaltar, pois historicamente defende essa posição. Está apenas puxando a brasa para sua sardinha em tempos de Murici, digamos assim.

O ambiente político no Congresso é pautado pelo instinto de sobrevivência, num momento em que o país precisa se reinventar sob vários aspectos. Os grandes partidos discutem mudanças eleitorais cujo objetivo não é melhorar a qualidade da representação do Congresso, que está desmoralizado perante a opinião pública, mas manter o controle da Câmara e do Senado. Os partidos que poderiam protagonizar a renovação da política nacional, em vez de discutir projetos para o país, por sua vez, estão mais preocupados em garantir a ampliação de suas bancadas, digamos, para 15 deputados. Esta é a linha de corte que está sendo traçada pelos partidos maiores para canibalizar os menores.

Enquanto isso, o país patina para sair da recessão, sem um projeto nacional. É prisioneiro das corporações e de seus privilégios, de um lado, e de empresas e empresários incapazes de sobreviver sem sugar os recursos do Tesouro, do outro. Até agora, o ônus da crise foi lançado sobre os ombros da grande massa da população, que perdeu empregos e negócios, paga juros escorchantes e somente agora está se livrando da perda acelerada de poder aquisitivo via inflação. É daí que vem a resistência à reforma da Previdência, ao fim das desonerações fiscais e a novas regras do jogo nas relações entre o público e o privado.

Num momento em que o mundo vive uma grande batalha entra a globalização, um fenômeno objetivo, e as forças que a ela se impõem, agora lideradas pelo novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (quanta ironia!), o Brasil precisa encontrar seu novo lugar no mundo. A crise da “carne podre” é um sintoma de que o modelo de capitalismo de Estado (ou de laços) adotado pelos governos Lula e Dilma era voluntarista e fracassou. Noves fora as trapalhadas do delegado da Polícia Federal que “espetaculizou” a investigação nos frigoríficos, nada disso ocorreria se o setor não concentrasse capital por meio de privilégios e as duas gigantes não operassem um lobby político tão pesado quanto o das empreiteiras nas eleições, com objetivo de garantir benesses e facilidades oficiais para seus negócios.

Porto seguro
A vocação natural do Brasil na divisão internacional do trabalho é produzir alimentos, minérios e petróleo, mas isso não basta. O que vamos pôr no lugar da nossa indústria tradicional para desenvolver a economia, que cada vez emprega menos mão de obra nas atividades nos polos mais dinâmicos, como a indústria automobilística, que está sendo automatizada? Como reinventar o Estado brasileiro para que ele atenda às demandas da sociedade e se livre do patrimonialismo e do fisiologismo na política? Qual o futuro dos nossos jovens, marginalizados da atividade produtiva pela recessão, com a perspectiva de baixas taxas de crescimento nos próximos anos e a má qualidade do ensino? Muito provavelmente, não será a atual elite política que resolverá essas questões.

O establishment do país respira de canudinho, na esperança de que a Lava-Jato passe ao largo. Quem sabe a nova novela da Globo, uma superprodução sobre a chegada da família real e as peripécias de D. Pedro I, faça a crítica dos nossos velhos costumes políticos, muitos dos quais surgiram exatamente nessa época, protagonizados pelo imperador e sua corte, já se vão quase 200 anos. Talvez o folhetim eletrônico seja uma paródia do que estamos vivendo, no estilo do falecido Dias Gomes, autor da novela O Bem Amado, cujo protagonista, Odorico Paraguaçu, satirizou nossa tradicional política.

O porto seguro da democracia brasileira é o pleito de 2018. Até lá, a maior dificuldade será produzir uma nova síntese política, que aponte um rumo para a maioria da sociedade.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

Posts recentes

Supostos negócios de Lulinha com Careca do INSS são dor de cabeça para Lula

Estava tudo sob controle na CPMI, até aparecerem indícios de que Antônio Carlos Camilo Antunes,…

1 dia atrás

Acordo entre governo e oposição garante aprovação do PL da Dosimetria

O projeto altera a Lei de Execução Penal, redefine percentuais mínimos para progressão de regime…

2 dias atrás

Com Lula favorito, Flávio Bolsonaro desidrata a candidatura de Tarcísio

A desaprovação ao governo Lula não traduz automaticamente uma vantagem eleitoral para a oposição. A…

3 dias atrás

PF põe saia justa no STF ao explicar sigilo do Master

Durante a Operação Compliance Zero, deflagrada para apurar um esquema bilionário de fraudes bancárias, a…

4 dias atrás