O presidente da República nunca dependeu tanto de sua base no Congresso. Por isso, procrastinar o julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE pode não ser uma boa estratégia
O Ministério Público Eleitoral pediu a cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, eleita em 2014, e a inelegibilidade da petista por oito anos, que deveria ter sido aprovada no julgamento do impeachment, mas não foi. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, que presidia a sessão do Senado, resolveu apartar a votação do impeachment da perda dos direitos políticos, que foram mantidos pela maioria dos senadores. A tese de que as contas de Dilma e Temer devem ser separadas acabou refutada pelo vice-procurador geral eleitoral, Nicolau Dino, que vem a ser irmão do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), aliado incondicional de Dilma contra o afastamento do Planalto.
O documento encaminhado pelo MPE ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na sexta-feira passada, vazou na manhã de ontem. Parece um daqueles factoides criados na segunda-feira, aproveitando o dia morno no Congresso, mas não é bem assim. Está em linha com o ministro-relator do caso no TSE, Herman Benjamin. O que há de novo no processo são os depoimentos arrasadores do marqueteiro João Santana e da mulher, Mônica Moura, ouvidos em 24 de abril, nos quais destacam que receberam dinheiro de caixa dois no exterior e que a Odebrecht bancou a contratação de ambos para a campanha eleitoral. Nicolau Dino ressalva que não há muito o que dizer de Temer quanto ao dinheiro de caixa dois, por isso, não pediu sua inelegibilidade, mas seria impossível separar a chapa. Citou como jurisprudência a cassação dos diplomas do governador e do vice-governador do Amazonas, por abuso de poder imputado ao primeiro titular da chapa.
“Não há elementos nos autos que liguem o representado Michel Temer aos fatos narrados pelos executivos da Odebrecht, referentes ao financiamento ilícito da campanha dos representados (…) Sem responsabilidade pessoal do segundo representado, não há o que se falar em inelegibilidade’’, ressalva o vice-procurador geral eleitoral. O julgamento está suspenso, mas deve ser retomado até o próximo mês. Benjamin liberou a matéria para julgamento no fim da tarde de ontem. Ou seja, há uma espada sobre a cabeça de Temer, ainda que o presidente da República tenha influência na Corte e um pedido de vista possa retardar o julgamento. Mesmo que seja cassado no TSE, Temer poderá recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), que antes disso julgará o caso do Amazonas. Ou seja, tem muita água para passar debaixo dessa ponte.
O problema é o desgaste político do governo. Por mais que minimize o pedido do Ministério Público, Temer agora é um presidente que formalmente corre o risco de ter o mandato cassado pelo TSE, porque sua eleição como vice-presidente teria sido fraudada pelo abuso de poder econômico. Há provas abundantes e jurisprudência; o governo tem influência para procrastinar o processo, mas isso somente aumentará o desgaste. O assunto já andou esquentando as sessões do tribunal, com troca de farpas entre o presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes, e Benjamin. O plenário do TSE é composto por três ministros do STF, dois do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dois integrantes da advocacia.
Os impedimentos
Os sucessores naturais de Temer em caso de cassação são o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE). Ambos, porém, são investigados na Operação Lava-Jato e podem ser considerados impedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), cuja presidente, ministra Cármen Lúcia, é a terceira na linha de sucessão. Ou seja, assumiria a Presidência da República em caso de impugnação de toda a chapa, com prazo de 60 dias para convocar uma eleição indireta pelo Congresso. Esse é o roteiro constitucional a ser seguido. Como institucionalmente tudo isso é possível, com o avanço da Operação Lava-Jato, os elementos de instabilidade política estão no ar.
Dependem de duas outras variáveis.A primeira é ambiente econômico, que está melhorando sensivelmente, o que tranquiliza os meios empresariais e reforça a blindagem da política financeira, cujo principal fiador hoje é o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. A segunda é a aprovação das reformas trabalhista e previdenciária pelo Congresso, que reforçam a liderança de Temer. Ou seja, o presidente da República nunca dependeu tanto de sua base no Congresso. Por isso, procrastinar o julgamento da chapa no TSE pode não ser uma boa estratégia. O melhor para Temer seria um julgamento rápido, que mudasse a jurisprudência, o que é possível diante da mudança de correlação de forças no TSE. Num cenário de desestabilização do governo no Congresso, a situação também poderia se complicar no tribunal.