Nas entrelinhas: Para a maioria dos brasileiros, o ano não quer acabar

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Para o governo federal, tudo parece normal. Todos os anos, em algum lugar do Brasil, a tragédia se repete, sem que se tenha um plano para socorrer as vítimas das chuvas

O presidente Jair Bolsonaro encerrou seu expediente no fim de semana antes do Natal, porém, para a maioria dos brasileiros, parece que 2021 é um ano que não quer acabar. Aquele ditado “ano novo, vida nova” não é bem o nosso caso. As principais mazelas de 2021 não estão ficando para trás. Na prática, 2022 promete ser um ano muito difícil, duro, e brevíssimo, porque só começará a fazer a diferença quando a situação sanitária do país se normalizar. A propósito, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, para agradar ao presidente da República, faz tudo que pode para impedir que isso ocorra, haja vista, por exemplo, a omissão diante da epidemia de H3N2 (Influenza) e a sabotagem aberta à campanha de vacinação de crianças contra a covid-19.

De origem europeia, nosso calendário civil é utilizado oficialmente pela maioria dos países. Promulgado pelo Papa Gregório XIII [1] (1502-1585), em 24 de fevereiro de 1582, na bula Inter gravíssimas, substituiu o calendário juliano, decretado pelo imperador romano Júlio César (100-44 a.C.), em 46 a.C. Entretanto, em 2022, o calendário que realmente fará a diferença é o eleitoral. Em 2 de outubro, escolheremos o presidente da República, os governadores, os senadores e deputados federais, e estaduais e distritais. Eventual segundo turno para presidente e governadores poderá ocorrer em 30 de outubro.

Já a partir de 1º de janeiro, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por órgãos da administração pública, exceto em casos como calamidade pública, estado de emergência e execução orçamentária do exercício anterior. Por isso, houve tanta correria para incluir na PEC dos Precatórios, no Congresso, as verbas milionárias do chamado “orçamento secreto”, R$ 16 bilhões para emendas do seu relator. Não se pode falar a mesma coisa da ajuda aos flagelados das chuvas na Bahia, onde dezenas de cidades ficaram sob as águas dos rios, principalmente o Cachoeira. Houve destruição de casas e infraestrutura, milhares de pessoas perderam quase tudo e estão desabrigadas.
Orçamento da União

Nada disso abalou as férias de Bolsonaro, que passou o Natal em Guarujá (SP) e passará o ano-novo em Florianópolis (SC). Entre um passeio e outro de jet ski, deu-se por satisfeito com a medida provisória que destinou R$ 200 milhões para socorrer os atingidos, recursos sabidamente insuficientes para mitigar a tragédia ambiental. Como o trauma da pandemia, que ainda não acabou, o das enchentes na Bahia atravessará a virada do ano. Como sabemos — Brumadinho e Mariana estão aí para nos refrescar a memória —, o dinheiro quase nunca chega à ponta dos que perderam seus bens. O que salva o povo é a sociedade civil, com seus donativos, ou seja, o próprio povo.

Orçamento secreto

Para o governo federal, parece normal. Todos os anos, em algum lugar do Brasil, a tragédia se repete, sem que se tenha um plano de contingência de rápido emprego para socorrer as vítimas das chuvas. O aumento de intensidade e frequência dessas tragédias naturais decorre das mudanças climáticas, mas o que esperar de um governo tão negacionista, sobretudo na questão ambiental? Nem medidas de longo prazo para enfrentar os fenômenos decorrentes do aquecimento global nem medidas imediatas para socorrer as populações atingidas estão previstas na escala necessária no Orçamento da União, que foi sequestrado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para favorecer o Centrão.

É nessas horas que se tem a dimensão do absurdo de uma reserva de R$ 16 bilhões em emendas do relator, cujos verdadeiros autores continuam no anonimato, de um total de R$ 47 bilhões em emendas parlamentares no Orçamento do próximo ano. Trata-se de uma vergonhosa política de clientela, que não obedece a quaisquer planejamentos ou prioridades, exceto o benefício eleitoral imediato dos parlamentares contemplados. E o que falar dos recursos destinados ao escandaloso Fundo Eleitoral de R$ 4,9 bilhões, que também servirá para reprodução dos atuais mandatários do Congresso, principalmente do grupo que forma o Centrão?

Num país mais sério, com governantes mais responsáveis, uma parte desse dinheiro seria utilizada para socorrer os desabrigados da Bahia, até por uma questão de marketing político. Mas a política de clientela não gosta de transparência nem de mídia. Gosta das sombras, dos conchavos, dos acertos por fora. Na real, o Congresso brasileiro legisla para beneficiar os 10% de privilegiados que estão satisfeitos com a sua atuação, o que é uma tragédia política. Isso representa uma ameaça à democracia, na qual o Legislativo é o eixo de gravidade da relação Estado e sociedade. Em tempo: a clientela eleitoral de Bolsonaro também está muito bem contemplada com o Orçamento da União de 2022.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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