Fosse Temer um presidente mais rigoroso com a equipe, teria demitido
o colaborador; fosse o ministro mais coerente com o que pensa, teria pedido demissão
Tudo o que o presidente Michel Temer não precisa nesta altura do campeonato é abrir novas frentes de batalha. Não tem força para isso. Já enfrenta uma oposição encastelada em vários órgãos e empresas federais, que se rearticula a partir dos movimentos sociais para desestabilizar o governo. Mas, para isso, precisa controlar os trapalhões de sua equipe, que conseguem adicionar problemas imaginários aos obstáculos reais, com declarações infelizes e propostas equivocadas, mas que servem para engrossar o caldo do Fora, Temer!
O governo conta com uma boa equipe econômica, cuja credibilidade depende de o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, não fazer política própria e aposentar de vez a velha ambição de ser candidato a presidente da República. Na área política, reúne um time experiente de articuladores, mas o seu grande trunfo é a própria cancha adquirida nos comandos da Câmara e do PMDB, tanto que conseguiu a aprovação do impeachment. Seu problema maior é na área social, na qual o viés liberal do governo é inequívoco. Além da complexidade das nossas desigualdades e iniquidades, a inexperiência dos seus ministros no trato com os movimentos sociais pode pôr tudo a perder. O governo não pode ser o fator a unir e organizar esses movimentos em torno do PT.
É o que fez o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira. Na quinta-feira, durante encontro com sindicalistas em Brasília, afirmou que a proposta de reforma trabalhista que será encaminhada ao Congresso até o fim deste ano vai oficializar a carga horária diária de até 12 horas, desde que o trabalhador não exceda o limite de 48 horas semanais. Foi o que bastou para o PT abrir novamente as baterias contra Temer e as centrais sindicais se unirem, ameaçando convocar uma greve geral. A trapalhada foi uma boia para os sindicalistas do PT, que andam em baixa nos sindicatos, por causa fraudes praticadas por integrantes da legenda nos fundos de pensão e nos empréstimos consignados de aposentados, sem falar na roubalheira da Petrobras, que levantam suspeitas dos trabalhadores de que o mesmo acontece nas entidades classistas, como denunciam as oposições sindicais.
Não houve discussão no governo sobre a proposta, muito menos com os partidos que integram a coalizão. E o ministro se viu obrigado a engolir as próprias palavras e desmentir o que disse, em nota oficial. Fosse Temer um presidente mais rigoroso com a equipe, teria demitido o colaborador; fosse o ministro um sujeito mais coerente com o que pensa, teria pedido demissão. Barbosa foi indicado para o cargo pelo presidente do PTB, Roberto Jefferson, porque apoia a reforma trabalhista, porém, é um neófito no assunto.
Baixo clero
Ligado à Assembleia de Deus, Ronaldo Nogueira é pastor evangélico e tem formação em administração de empresas. Ao assumir o primeiro mandato como parlamentar, definiu quatro prioridades: princípios morais, habitação, qualificação profissional e o agronegócio. Antes, foi vereador por quatro mandatos em Carazinho (RS), sua cidade natal. Nos seis anos de Câmara, apresentou duas propostas para “modernizar” o mundo do trabalho: descontar as faltas das empregadas domésticas dos períodos de férias e regulamentar a profissão de detetive particular. É um digno representante do baixo clero da Câmara.
O ministro nunca participou de uma assembleia sindical, nunca foi negociador numa campanha salarial, seja como advogado trabalhista, seja como representante patronal. Foi escolhido para o cargo para barrar as pretensões do deputado Paulo Pereira da Silva (SP), presidente do Solidariedade e líder da Força Sindical, que pleiteava o controle do Ministério do Trabalho. Sindicalista casca-grossa, Paulinho saiu na frente ao articular as centrais sindicais contra as reformas da Previdência e trabalhista. A declaração de Nogueira foi mesmo um total disparate: “Tem trabalhador que prefere trabalhar um tempo a mais, uns minutos a mais diariamente, e folgar no sábado. […] O freio será de 12 horas [de trabalho por dia], inclusive com horas extras. Não estou falando de aumentar a jornada diária para 12 horas. A convenção coletiva vai tratar como as 44 horas semanais serão feitas”, disse.
O mínimo que o ministro do trabalho deveria saber é que a jornada de 8 horas, como reivindicação, surgiu em 1912, num cartaz da CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores da França), que mostrava os ponteiros de um despertador dividido em três, no qual estava escrito: “Nós exigimos os três oitos — oito horas de trabalho, oito horas de lazer e oito horas de descanso”. Foi aprovada após décadas de revoltas operárias e lutas sindicais, pela Assembleia Nacional Francesa, em 1919. Levou dois anos para ser aplicada e se tornou a principal bandeira do movimento sindical no mundo inteiro. Mais de cem anos depois, mesmo diante da chamada quarta revolução industrial, é temerário o governo flexibilizar a legislação trabalhista mexendo com isso. Muito mais importante seriam o contrato coletivo de trabalho e o fim do imposto sindical, preservando a jornada de trabalho de oito horas, o limite de horas extras e o salário mínimo. E baixar a bola do próprio Ministério do Trabalho, que hoje protagoniza a proliferação de sindicatos e pelegos.
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