Nas entrelinhas: Os quadrantes de 2018

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Criou-se um enorme espaço vazio, o que está permitindo o avanço de Lula no quadrante da centro-esquerda e a progressão de Bolsonaro para ocupar todo o quadrante da direita

Na geometria, quadrante é qualquer das quatro partes iguais em que se pode dividir uma circunferência. Na navegação, isso corresponde a um arco de 90º, ou seja, um quarto do círculo. Num esquema tradicional de distribuição de forças políticas, teríamos uma divisão teórica do eleitorado em direita, centro-direita, centro-esquerda e esquerda. Na prática, porém, muitas vezes, essa divisão é atropelada pela polarização antecipada, digamos, esquerda versus direita, como, às vezes, acontece na Europa. Nos Estados Unidos, ela é inerente ao sistema bipartidarista, isto é, ocorre sempre entre republicanos e democratas.

No Brasil, durante o período que vai da redemocratização ao golpe de 1964, a polarização era muito pautada pela guerra fria, embora houvesse três grandes partidos se digladiando, o PSD, o PTB e a UDN, os dois primeiros aliados de Vargas e o terceiro, de oposição empedernida. A quarta força política era o Partido Comunista, que atuava na clandestinidade. Havia outros partidos menores, como o PSB e o PRP. Durante a ditadura, com a reforma partidária imposta pelos militares, tentou-se impor um sistema partidário americanizado, com a Arena, o partido governista, e o MDB, de oposição, mas no fundo o regime queria “mexicanizar” a política brasileira. Após sucessivas derrotas eleitorais da Arena, os militares aceitaram uma anistia negociada e promoveram nova reforma partidária, em 1979.

A Constituição de 1988 consagrou o atual calendário eleitoral, o presidencialismo, o sistema eleitoral proporcional uninominal e o atual sistema partidário, que foi sendo progressivamente ampliado, até chegar aos 36 partidos hoje existentes. Hoje se discute uma reforma política que altere isso. Com as eleições majoritárias em dois turnos, mais pra lá ou mais pra cá, o esquema de quadrantes acabou predominando. Mesmo com a reeleição dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT), que não completou o segundo mandato por que houve o impeachment.

Não seria nada estranho que o presidente Michel Temer se lançasse candidato à reeleição, pois teria esse direito com base na legislação atual. Não o faz, porém, por causa da sua impopularidade, que também é uma herança do governo Dilma, mas que vem se mantendo e até aumentando por causa da Operação Lava-Jato e das reformas da Previdência e trabalhista. Um presidente da República com a caneta cheia de tinta nunca é um cachorro morto, mas isso não impede que possa morrer. Foi o que aconteceu com Dilma. Não ocorre com Temer por causa de dois fatores: a política econômica, radicalmente oposta à da desastrada e infortunada antecessora, o que lhe garante maciço apoio do mercado, e a ampla maioria parlamentar no Congresso. Isso não basta, porém, para que Temer seja protagonista da própria sucessão se não for candidato.

Ocupar o centro

É aí que voltamos ao esquema dos quadrantes. Apesar da Lava-Jato e da emergência de setores de esquerda mais radical como PSol, o ex-presidente Lula nunca perdeu o controle de um dos quadrantes da política brasileira, o campo da esquerda. Isso manteve sua candidatura competitiva mesmo nos piores momentos das crises política, ética e econômica. No outro lado do círculo, o quadrante da direita está sendo progressivamente ocupado pela candidatura de Jair Bolsonaro (PRB). Os demais quadrantes, após a reeleição de Dilma, eram ocupados por Marina Silva (centro-esquerda) e Aécio Neves (centro-direita). Em circunstâncias normais, com o impeachment, os dois disputariam a sucessão de Temer.

Mas não foi isso que aconteceu. Marina Silva (Rede) eclipsou-se durante a crise tríplice (ética, política e econômica), como quem aparentemente não deseja ser identificada com o espectro político que está aí (uma tática de risco). Aécio Neves (PSDB) foi volatilizado pela Operação Lava-Jato, o que poderia servir para consolidar a candidatura do governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB), mas ele está sendo eclipsado pela sua criatura, o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB). Criou-se um enorme espaço vazio, o que está permitindo o avanço de Lula no quadrante da centro-esquerda e a progressão de Bolsonaro para ocupar todo o quadrante da direita. Com isso, o espaço para uma candidatura de centro-esquerda, como a de Marina Silva, diminui; em contrapartida, o de centro-direita se mantém e abre espaço para uma candidatura se consolidar e crescer.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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