Nas entrelinhas: Os laços da perdição

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Pela primeira vez, a esquerda no poder promoveu uma política de concentração e internacionalização de capital nunca vista, com os chamados “campeões nacionais”

A discussão sobre capitalismo de laços no Brasil não é nenhuma novidade, assim como a tentativa de reinventar o capitalismo de Estado. Por R$ 100 é possível comprar pela internet dois livros de Sérgio Lazzarini sobre o assunto. Professor do Insper, o economista é um estudioso das imbricadas relações empresa-Estado no Brasil e do modelo político adotado pelo PT e que entrou em colapso com o escândalo da Petrobras, uma espécie de fusão das operações ilícitas envolvendo empresários, gestores públicos e políticos investigados pela Operação Lava-Jato com os mecanismos de intervenção do governo na economia, durante os mandatos de Lula e de Dilma.

Não se pode atribuir ao PT tudo o que aconteceu, até porque as estruturas do Estado e do capitalismo brasileiros foram historicamente constituídas. O problema é que, ao assumir o poder, o partido foi abduzido pelos laços perversos do sistema, ao conquistar a chave do cofre e assumir as redes da política. O transformismo petista, porém, é mascarado pela retórica neopopulista de amplos setores da esquerda, na qual o nacional desenvolvimentismo ainda serve de biombo ideológico. Encaixa-se como luva na velha doutrina dos movimentos de libertação nacional durante a guerra fria: aliança com a burguesia nacional contra o imperialismo, num esquema em que a emergência da China na economia globalizada e o jogo duro da Rússia de Putin contra os Estados Unidos na Ucrânia e no Oriente Médio substituíram a antiga União Soviética e os ex-aliados da Cortina de Ferro. Os sindicatos e a esquerda europeia se encarregaram de dar ressonância internacional ao projeto.

Lazzarini notou que, nos processos de licitação, formavam-se consórcios com atores conhecidos, com a participação do governo e seus agentes, mesmo depois do período de privatizações. O Estado já não tinha controle total sobre grandes empresas, com exceção das Petrobras; havia diluído sua participação em algumas empresas (privatizadas ou não) para atuar em uma rede muito maior de organizações. Com isso, ao lado da ofertas públicas de ações (IPOs – Initial Public Offerings) nas empresas estatais a novos investidores nacionais e internacionais, o Estado permanecia forte e presente em muitos setores.

O Estado não se afastou de atividades econômicas por meio da privatização e da abertura econômica. Pelo contrário, adotou um modelo de maior capilaridade, aumentando o número de empresas que contam com a participação do BNDES e dos fundos de pensão de estatais, que têm laços políticos com o governo. E essa ramificação do Estado é tão ou talvez mais poderosa do que o modelo anterior, concentrado em grandes empresas. Além disso, os mesmos proprietários e grupos, com laços cruzados, estavam em muitas empresas. Com isso, grupos privilegiados pelo governo, em troca de propina, passaram a ter uma grande presença transversal na economia.

Pela primeira vez, a esquerda no poder promoveu uma política de concentração e internacionalização de capital nunca vista, os chamados “campeões nacionais”, cuja consequência foi a criação de um ambiente econômico degenerado e pouco competitivo. Ao contrário do que apregoa o discurso de defesa da “engenharia nacional” e da reserva de mercado para a inovação e tecnologia nacionais, quando as empreiteiras formaram o cartel que controlava todos os grandes projetos do governo, da construção de plataformas de petróleo a estádios de futebol, puxaram para baixo a competitividade, a inovação, a qualidade e a produtividade no país.

Caso de polícia

As conexões internacionais do modelo são parte de um esquema de reprodução do projeto de poder, no qual o BNDES entrava como fonte financiadora. A maioria dos empréstimos camaradas tem prazo em torno de 12 a 15 anos, embora alguns contratos com Cuba destoem por terem até 25 anos. As taxas de juros estão entre 3% e 6% ao ano, em dólar. O financiamento desses contratos se dá via Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que recebe, nesses casos, remuneração atrelada a taxas internacionais. Mas essas são muito mais baixas do que o custo que o próprio governo consegue captar, aqui ou no exterior. E o próprio Tesouro tem coberto rombos no FAT.

Pois bem, quando um dos maiores fornecedores da Petrobras, com contratos no valor de R$ 25 bilhões, o estaleiro Keppel Fels, reconhece na Bolsa de Cingapura, onde fica a sua sede, que os pagamentos feitos a seu representante no Brasil “podem ser suspeitos”, desnuda os laços mais perversos  e conexões internacionais desse modelo, que virou caso de polícia. Seu representante no Brasil é o lobista e engenheiro Zwi Skornicki, preso pela Operação Lava-Jato, que já disse que pagou US$ 4,5 milhões (R$ 14,4 milhões, em valores atuais) ao marqueteiro João Santana, que cuidou das campanhas de Lula (2006) e de Dilma Rousseff (2010 e 2014). A mulher e sócia de Santana, Mônica Moura, confessou que recebeu os US$ 4,5 milhões numa conta na Suíça, uma dívida da campanha de 2010. Os ataques ao juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, não salvarão o modelo fracassado. A crise fiscal do país exige do Estado e da sociedade uma mudança de paradigma.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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