Nas entrelinhas: Os fantasmas de Marielle e Anderson

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“O presidente Bolsonaro vive aquela situação do devoto que quanto mais reza, mais assombração aparece”

Os fantasmas da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes atormentam o clã Bolsonaro, por causa do envolvimento político e eleitoral com as milícias fluminenses. Por isso mesmo, não deixa de ser muito relevante a afirmação de Jair Bolsonaro no sentido de que as investigações cheguem aos mandantes do crime. Para a Divisão de Homicídios da Capital, porém, o caso é um crime de ódio, ou seja, estará resolvido com a punição dos dois acusados: o policial militar reformado Ronnie Lessa e o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz.

O presidente Bolsonaro vive aquela situação do devoto que quanto mais reza, mais assombração aparece. Ronnie foi preso em casa, no condomínio na Avenida Lúcio Costa, na Barra da Tijuca, onde o presidente também tem residência. Pra complicar, a filha de um dos assassinos namorou um dos seus filhos. Mera coincidência, disse a promotora que investiga o caso, Simone Sibílio, também coordenadora do Gaeco. Afinal, é muito comum o filho namorar a filha do vizinho.

“É possível que tenha um mandante. Eu conheci a Marielle depois que ela foi assassinada. Não a conhecia, apesar de ela ser vereadora lá com meu filho no Rio de Janeiro. E também estou interessado em saber quem mandou me matar”, disse Bolsonaro. Chegar aos mandantes do crime não é uma tarefa fácil, mas é uma necessidade para separar o joio do trigo e desfazer mal-entendidos. O presidente da República precisa exorcizar esses fantasmas, até porque o caso Marielle Franco pautou os debates na Câmara, ontem, com a oposição na ofensiva; e a base governista, baratinada.

A Operação Lume, que investiga o caso, tem possibilidades de puxar o fio da meada. Realizou 32 mandados de busca e apreensão contra os denunciados para apreender documentos, telefones celulares, notebooks, computadores, armas, acessórios, munição e outros objetos. Houve buscas em dezenas de endereços de outros suspeitos.

Pacto macabro

Havia um pacto corrupto na política fluminense, cuja relação com as milícias passava pelos chefões do jogo do bicho. O chamado “escritório do crime” era uma espécie de estado-maior das milícias encarregado das execuções e cobranças no submundo do crime organizado. Os principais atores desse esquema são conhecidos, bem como suas conexões com a banda podre das polícias Civil e Militar. Com a prisão do ex-presidente da Assembleia Legislativa Jorge Picciani (MDB), a mediação política com os chefões do bicho e os líderes das milícias deixou de existir. O assassinato de Marielle foi o recado de que as milícias assumiram a hegemonia desse pacto macabro.

Não foi à toa que o interventor federal no Rio de Janeiro, general Braga Neto, e o então secretário de Segurança, general Richard Nunes, quando no comando das investigações do caso, ou seja, até dezembro de 2018, não chegaram aos criminosos. Havia uma barreira de proteção aos envolvidos, que só foi desnudada pela força-tarefa da Polícia Federal ao desmontar a tese de que o miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando de Curicica, e o vereador Marcello Siciliano (PHS) eram autor e mandante do crime, respectivamente. No esquema clássico dos crimes de mando, porém, eram os “bodes”.

A força-tarefa entrou no caso em outubro do ano passado, depois que Curicica denunciou à Procuradora-Geral da República, Rachel Dodge, que estaria sendo coagido pela Delegacia de Homicídios da Capital (DH) a assumir o crime. À época, Curicica acusou a DH de receber R$ 200 mil por mês de propina. Segundo o miliciano, esse “fixo” sofria acréscimos quando os investigadores negociavam imagens de câmeras de segurança que poderiam identificar os assassinos e servir de prova nos inquéritos. O ex-PM está preso no presídio de segurança máxima de Mossoró (RN), para evitar uma “queima de arquivo”.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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