Nas entrelinhas: Os decapitados

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Uma cultura de violência rege a vida do andar de baixo nas favelas e periferias e, de forma concentrada, nos presídios

Cortar cabeças e esquartejar adversários no Brasil foi uma prática corrente nos conflitos sociais e políticos. Na História do Brasil, são inúmeros os exemplos, a começar pelo massacre dos paulistas por portugueses e baianos no Capão da Traição, nas proximidades de Tiradentes (MG), na Guerra dos Emboabas (1707-1709). O próprio alferes Joaquim José da Silva Xavier, nosso mártir da Independência, foi enforcado e esquartejado (21/4/1792). Muitas cabeças rolaram na Balaiada (1838-1841), no Maranhão, e na Cabanagem (1835-1840), no Pará. Ninguém sabe direito o que aconteceu a Solano Lopes e seus últimos combatentes em Cerro Corá. A ira do Conde D’Eu foi implacável no fim da Guerra do Paraguai (1864-1870).

Em Canudos (1896-1897), o coronel Moreira Cesar, herói da guerra do Paraguai, foi esquartejado pelos jagunços e seus pedaços pendurados nos galhos. Euclides da Cunha relata no Os Sertões o destino dado a Antônio Conselheiro e aos que o acompanharam até a liquidação do arraial baiano. “Ao entardecer, quando caíram os últimos defensores, que todos morreram. Eram apenas quatro: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.”

Destino não muito diferente teve o bando de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, cuja cabeça foi cortada, como a de Maria Bonita, sua companheira, e outros cangaceiros do bando, em Angicos, no Sertão de Sergipe, em 1938. Acusado de atacar pequenas fazendas e cidades em sete estados além de roubo de gado, sequestros, assassinatos, torturas, mutilações, estupros e saques, foi tratado por muitos como uma espécie de Robin Hood do sertão brasileiro.

Maria Bonita ainda estava viva, apesar de bastante ferida, quando foi degolada. O mesmo ocorreu com Quinta-Feira e Mergulhão, que também tiveram as cabeças arrancadas em vida. Luís Pedro, Elétrico, Enedina, Moeda, Alecrim, Colchete e Macela foram os demais decapitados. Os corpos mutilados e ensanguentados foram deixados a céu aberto, atraindo urubus. As cabeças, arrumadas cuidadosamente na escadaria da Prefeitura de Piranhas, junto com armas e apetrechos dos cangaceiros, e fotografadas.

Depois, foram levados a Maceió e ao Sudeste do Brasil, de onde seguiram para Salvador, onde permaneceram por seis anos na Faculdade de Odontologia da UFBA e, depois, por três décadas, no Museu Antropológico Estácio de Lima localizado no prédio do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues. O enterro dos restos mortais dos cangaceiros só ocorreu depois do Projeto de Lei nº 2.867, de 24 de maio de 1965, que teve origem nos meios universitários de Brasília. As cabeças de Lampião e Maria Bonita foram sepultadas em 6 de fevereiro de 1969. Os demais integrantes do bando tiveram o enterro uma semana depois.

Bandidos
A glamourização de Lampião e bando não foi apenas obra da cultura popular. Câmara Cascudo atribui a ele a autoria de Mulher Rendeira. Foi graças ao premiado filme O Cangaceiro, de Lima Barreto, de 1953, com diálogos de Raquel de Queiroz, que a fama correu mundo. Chegou à academia como um dos personagens estudados pelo historiador britânico Eric Hobsbawn, autor do polêmico conceito de “bandido social”, claramente inspirado no mito de Robin Hood, ao lado de Salvatore Giuliano (Itália), Pancho Vila (México), Jesse James (Estados Unidos). O estudo foi publicado em livro na década de 1950, com o título acima, e já está na quinta edição aqui no Brasil (Editora Paz e Terra).

Talvez venha daí a glamourização da malandragem e de marginais como Lúcio Flávio, que não se misturava com policiais corruptos: “Bandido é bandido; polícia é polícia”. É nessa categoria romanesca que poderia ser enquadrado Marcinho VP, que inspirou o jornalista Caco Barcellos a escrever o livro Abusado, a história do tráfico de drogas no Morro Dona Marta, da qual o traficante é personagem principal. Uma cultura de violência rege a vida do andar de baixo nas favelas e periferias e, de forma concentrada, nos presídios.

Domingo, durante 16 horas de rebelião no maior presídio do Amazonas, o Complexo Penitenciário Anísio Jobim, 56 presos foram assassinados, muitos dos quais decapitados; na tarde de segunda, na Unidade Prisional do Puraquequara, mais quatro presos morreram. Retificando: Atribui-se à facção Família do Norte, que controla os presídios, a ordem para o massacre. Vídeos mostram que os integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) levaram a pior no confronto. Marcos Willians Herbas Camacho, mais conhecido como Marcola (Osasco, 13 de abril de 1968), é o líder do PCC. Comanda com mão de ferro uma organização que já manda na maioria dos presídios brasileiros, domina o tráfico de drogas em São Paulo e entrou nas favelas do Rio de janeiro. Agora, tenta controlar as fronteiras brasileiras e se internacionalizar.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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